Brasil
envelhece e precisa olhar para os seus idosos;
O
número de brasileiros acima de 65 anos multiplicou por 8 nos últimos 50 anos e
o País não se preparou para o envelhecimento da população. A conta chegou:
rombo da previdência é bilionário, sistema de saúde não suporta a demanda, não
há planejamento urbano nem de lazer e mais de 70% das empresas admitem não
contratar acima de certa idade. Dessa forma, o idoso é cada vez mais
marginalizado.
Três em
cada quatro idosos brasileiros hoje são independentes (Crédito:Karime Xavier)
RESUMO
•
Brasil não sabe lidar com a velhice e não é só em questões de saúde e
previdenciárias
•
Habitantes acima de 65 anos cresceram 57,4% na última década
•
Estudo britânico mostra que Brasil não encara avanço etário populacional de
forma ampla
• Das
empresas brasileiras, 78% assumiram o etarismo nas contratações
• Você
sabia? 75% do contingente acima de 65 anos é independente e grande parte é
principal provedor da família
• OMS
diz que “o envelhecimento da população é um dos maiores triunfos da humanidade
e também um dos grandes desafios a ser enfrentados pela sociedade”
Brasil
teve evidências explícitas, mas lidou com o passar do tempo como se nunca fosse
envelhecer. A cada recenseamento, a quantidade de crianças e adolescentes
diminuía em curva inversa à da população idosa. Até que chegamos ao menor
número de jovens em 50 anos e ao crescimento de 57,4% na população acima de 65
anos na última década. O lado positivo é que o brasileiro está vivendo mais. O
lado negativo é que o País não se preparou para isso. Tanto que pesquisa
britânica sobre melhores e piores países para se envelhecer nos aponta na 81ª
posição entre 105 nações estudadas.
Os
critérios foram sete e estabelecem padrão a ser observado em políticas
públicas:
• expectativa
de vida,
•
abrangência de assistência médica,
• nível
de segurança,
•
índice de felicidade,
• custo
de vida,
•
preços de imóveis,
• idade
de início da aposentadoria.
Mais
que apenas uma posição vexatória na forma como tratamos essa fase da vida, o
estudo da Handicare UK mostra como a questão de avanço etário populacional deve
ser encarada de forma ampla e não apenas como situação que cabe aos agentes
previdenciários e de saúde. Em todas as instâncias, deixam explícito que o
Brasil é uma nação que não sabe lidar com velhice.
“Estou
esperando há cinco anos consulta psiquiátrica para ajudar a parar de fumar no
posto de saúde…” Angela Rejane da Silva Linares, 67 anos, pensionista
(Crédito:Marco Ankosqui,)
Para
ser justo, é preciso dizer que não somos os únicos a tratar o tema de forma
imprópria. A Organização Mundial da Saúde (OMS) desistiu no último momento, em
janeiro de 2022, de incluir a velhice na Classificação Internacional de Doenças
(CID).
Pouco
antes, em plena pandemia, havia determinado os anos entre 2021 e 2030 como a
“Década do envelhecimento saudável”. Só que nem organização nem o Brasil foram
além de resoluções retóricas para tratar o que importa.
Assine
nossa newsletter:
Inscreva-se
nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail
Nos 20
anos completos em outubro do Estatuto da Pessoa Idosa brasileira, a única
adaptação foi trocar o termo “idoso” por “pessoa idosa”. No mesmo período, a
fertilidade caiu em todos os países do mundo, inclusive aqui.
Quando as
Nações Unidas e a OMS foram criadas, havia sete vezes mais crianças com menos
de 15 anos do que pessoas com 65 anos ou mais; em 2050, esses grupos terão
aproximadamente o mesmo tamanho.
“Os
países desenvolvidos enriqueceram e depois envelheceram. Nós envelhecemos na
contramão. E isso é um nó, que demanda políticas públicas que ofereçam
condições [aos idosos] em perspectiva de curso de vida. Você é na velhice o
resultado dos eventos que antecederam esse período. A perspectiva é de
primordial importância para que os mais jovens possam avançar na idade em
melhores condições do que aqueles que já são idosos. No Brasil envelhece-se
prematuramente e mal. Não adianta dizer que a pessoa devia ter comido brócolis
quando não tem dinheiro para farinha e açúcar, ou que tinha que fazer atividade
física se ela vai para o trabalho em péssimo transporte público, ou que podia
fazer caminhadas se onde mora não tem calçamento e iluminação. É preciso
oferecer as oportunidades para se alcançar um mínimo de condições de vida”, diz
o epidemiologista Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de
Longevidade Brasil.
“Os
países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecerem. Nós
envelhecemos na contramão. E isso é um nó “Alexandre Kalache, epidemiologista e
presidente do Centro Internacional de Longevidade (Crédito:Divulgação)
Previdência
e saúde
Os
problemas mais evidentes irrompem nos consumos de aposentadorias e saúde, já
que a conta não fecha quando proporção cada vez maior de membros da sociedade
(aposentados) depende da contribuição de fatia cada vez menor (economicamente
ativos).
Só que
a outra forma de enxergar a situação é perceber a possibilidade de que com a
idade os profissionais podem se tornar previdenciários mas ainda valorizados
como força de trabalho por experiência, extensão de anos de vida e expertise
acumulados.
Na
saúde, as nações que tratam os cidadãos com estímulos preventivos mostram que a
poupança biológica saudável traz um envelhecer menos dependente dos serviços
públicos.
“A maioria
das doenças que lotam o SUS poderiam ter sido evitadas com um planejamento que
oferecesse não apenas anos às vidas, mas vida aos anos que cada vez temos
mais.”
Médico
integrativo Fábio César dos Santos
A
promoção de setores econômicos com oportunidades para trabalhadores mais
velhos, a prevenção e detecção precoce de doenças e um critério definido como
“felicidade”, que envolve atividades física e meditativa, lazer, estímulo à
frequência de espaços públicos, como ruas, parques e praças, são fatores que
fizeram da Finlândia líder no ranking de países que promovem o melhor para seus
cidadãos idosos.
A
formação em saúde no Brasil opera na lógica de privilegiar a assistência
materno-infantil e apenas 10% das escolas médicas tem geriatria como
disciplina.
O
Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) concluiu que somente 0,7%
dos médicos tem se especializado em cuidado a idosos, enquanto os pediatras
somam 9,5%. Isso faz com que o País tenha 2,6 mil geriatras e um déficit
estimado de 28 mil desses profissionais, segundo a Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia (SBGG).
“Será
preciso ter mais especialistas ou que todos os profissionais de saúde tenham
uma formação melhor? Se um clínico geral tiver melhor conhecimento de
geriatria, poderá fazer atendimento e orientar sobre a necessidade de
especialista”, pondera Yeda Duarte, gerontóloga e coordenadora do Estudo SABE
(Saúde, Bem estar e Envelhecimento).
Buraco
no orçamento
Enquanto
o Ministério da Previdência Social prevê um rombo de R$ 276,9 bilhões nas
contas do ano que vem com pagamento de aposentadorias, nos EUA a parcela de
trabalhadores acima de 55 anos quase dobrou entre 2000 (13%) e 2021 (23%).
O
Bureau of Labor Statistics projeta que o contingente até 2031 atinja um quarto
da força de trabalho. Já a previsão brasileira é que o saldo negativo nas
contas dobre até 2060 e quadruplique até 2100 caso as condições continuem as
mesmas.
Na
prática, duas análises recentes comprovam que o mercado de trabalho é
assumidamente marcado pelo etarismo, a discriminação baseada na idade do
profissional. A EY realizou pesquisa com 191 empresas brasileiras e 78% delas
assumiram o etarismo nas contratações.
Já uma
outra análise com 258 corporações apontou que 70% delas não contrataram nenhum
profissional acima dos 50 anos nos últimos dois anos.
Fábio
César dos Santos, médico integrativo: “Se houvesse parques com educadores
físicos, atividades meditativas, programas e promoções alimentares saudáveis,
com isenção de impostos, a situação melhoraria muito naturalmente”
(Crédito:Gabriel Reis)
“É
fundamental reforçar de modo intenso e constante uma educação básica inclusiva
que transforme cada aluno em ativista da causa do não preconceito e,
particularmente, do anti-etarismo. Transformar os futuros profissionais em
agentes engajados e multiplicadores desta mudança é empoderá-los para serem
protagonistas de uma sociedade realmente diversa, inclusiva, plural e que
aproveite de maneira plena e agregadora o conhecimento e as experiências de
cada geração, propiciando um ambiente acolhedor, propício para a busca de
soluções mais disruptivas e em positiva evolução”, afirma Mauro Wainstock,
publicitário e sócio-fundador da consultoria HUB 40+, especializada em
diversidade etária e integração geracional.
O
Japão, que é o país mais idoso do mundo, com 29% da população acima de 65 anos,
viu a onda em formação e se planejou. Nos anos 1970 o país implementou Seguro
de Assistência de Longo Prazo que se tornou modelo pela generosidade e
abrangência. O governo paga por planos que oferecem diferentes modelos, como
viver em instalações de assistência, acompanhamento domiciliar e ajuda com
compras de supermercado.
Na
saúde, integrou cuidados preventivos e de longo prazo, além de estimular a
criação nos setores de MedTech de cuidados com idosos, com financiamento
estatal.
Já no
Brasil prevalece a cultura bastante difundida na América Latina do familismo,
que é a atribuição de total cuidado dos mais dependentes, o que inclui idosos,
aos familiares.
Só que
o descuido de atenção é da sociedade em não se dar conta de que a
responsabilidade moral e legislativa pelo cuidado dos que mais dependem é tanto
da família quanto da sociedade e do Estado. Como só a família é criminalizada
em caso de alienação, outros agentes não são cobrados.
Custo-benefício
A
estatística do Censo recente evidencia a condição da população acima de 65 anos
como custo e não pelos aspectos positivos – 75% do contingente idoso é
independente e grande parte do contingente é principal provedor da família.
Nota
técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que em mais
de 60% dos lares com pessoas acima de 60 anos, esses respondem por mais da
metade da renda total da casa. Sem contar que 5,5 milhões dos idosos moram
sozinhos no Brasil (quase 20% dessa população, segundo o IBGE).
Da
mesma forma, a senilidade é tratada como incapacidade na saúde. O sistema que
não privilegia cuidados preventivos cobra a conta com o passar dos anos. Entre
as pessoas idosas, 80% dependem do Sistema Único de Saúde e quem consegue pagar
um plano privado – ao custo médio de R$ 1.767,00 mensais por beneficiário acima
de 60 anos (segundo Painel de Precificação dos Planos de Saúde), são poucos os
que conseguem arcar.
As
mesmas 80% de consultas com especialistas, utilização de fármacos, exames
clínicos e de imagens poderiam ser diminuídas com uma política preventiva.
Doenças infectocontagiosas tiveram larga diminuição nas recentes décadas,
enquanto as cardiovasculares aumentaram de 12% para 40% no total de óbitos.
É sabido
que os problemas cardíacos são os que têm prevenção mais efetiva. “Se houvesse
parques com educadores físicos, atividades meditativas, programas e promoções
alimentares saudáveis, com isenção de impostos, a situação melhoraria muito
naturalmente”, avalia Fábio dos Santos.
A
segunda maior causa de doenças na velhice são os problemas osteoarticulares,
que englobam conjunto de dores relacionadas aos ossos e articulações. São
igualmente relacionadas à prevenção e levam a outra questão de problema do
avanço da idade, a mobilidade.
Alcely
Chaves, 88 anos, professora aposentada: “De uns tempos pra cá não ando mais na
rua sozinha, não tenho segurança. A minha distração é fazer palavras cruzadas,
sempre gostei e agora faço mais ainda, ocupa a mente” (Crédito:Silvia Zamboni;
)
Grande
lacuna na política de cuidado sobre envelhecimento é a falta de adaptação do
espaço urbano para atender a população, pensando tanto em serviços básicos como
em lazer, atividades físicas e moradia.
A OMS
até tentou. Montou a Rede Global de Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas
Idosas, que reúne 792 localidades pelo mundo, sendo 19 brasileiras, para
aplicação de elementos amigáveis à população com avanço de idade, como:
•
transporte coletivo acessível,
•
nivelamento de calçadas,
• lugares
para sentar,
•
remoção de perigos nos percursos,
• boa
iluminação (nas ruas),
•
banheiros públicos.
Assim
como determinar que os edifícios precisam oferecer elevadores, rampas, portas e
corredores amplos, pisos antiderrapantes, banheiros adaptados para quem tem
mobilidade reduzida e sinalização eficiente.
Na
prática, Summit de Mobilidade organizado pelo “Estadão” avaliou as condições de
27 cidades e nenhuma chegou à pontuação mínima de oito pontos, em escala de um
a dez, de condições satisfatórias. Foram encontradas majoritariamente:
•
calçadas estreitas,
•
calçadas danificadas,
•
degraus,
•
postes e obstáculos,
•
faixas de pedestres apagadas,
• falta
de semáforos.
Além de
ausência ou falta de manutenção em rampas, o que levou a média nacional para 5,71.
“Nós
precisamos que todos aprendam mais sobre envelhecimento. Não estamos formando
profissionais para o século 21 e estamos de costas para o futuro. Entre os
médicos residentes cerca de 10% optam por Pediatria, outros tantos por
Obstetrícia, e pouco mais de meio por cento por Geriatria. Não dará certo
assim. Precisamos de muita gente trabalhando. São planejadores urbanos,
designers, arquitetos, políticos, advogados. Como teremos menos e menos jovens,
é preciso criar incentivos para que os mais idosos sigam ativos, participando
integralmente da sociedade. Para isso três coisas são essenciais: saúde,
aprendizagem ao longo da vida e direito à participação. O mundo muda à medida
em que envelhece; em nosso caso, rapidamente”, diz Kalache.
Mauro
Wainstock, especializado em diversidade etária e integração geracional: “No
mundo corporativo, o etarismo se manifesta de forma subliminar, na maioria das
vezes com o isolamento ou o desprestígio do trabalhador” (Crédito:Divulgação)
O
artigo 3º do Estatuto da Pessoa Idosa, desde outubro de 2003, determina que “é
obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar
à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho,
à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária”.
Tudo o
que foi debatido no correr desta reportagem. Além disso, garante direitos como
Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido aos que não possuem fonte de
renda e meios para se manter, gratuidade em medicamentos de uso continuado,
atendimento domiciliar aos impossibilitados de se locomover e isenção no
pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com base na análise de
renda mensal e dimensões do imóvel.
“A
legislação que orienta o que precisa ser feito existe, mas não acontece na
prática. É preciso consciência da sociedade e política que população que
envelhece é um benefício, já que foi garantido que as pessoas vivam mais. Só
que é preciso a garantia de que vivam com qualidade”, diz Yeda Duarte.
“As
calçadas hoje são todas com degraus e a gente tem dificuldade na nossa idade em
subi-los. É difícil sair para um passeio. Na rua é perigoso o trânsito e na
calçada falta acessibilidade” Ruth de Oliveira Pereira, 84 anos, pensionista
(Crédito:Divulgação)
De
acordo com a OMS, “o envelhecimento da população é um dos maiores triunfos da
humanidade e também um dos grandes desafios a ser enfrentados pela sociedade”.
A
expectativa de vida global aumentou de 34 anos em 1913 para 72 anos em 2022. O
Brasil passa por esse desafio agora. Antes da pandemia, a expectativa de vida
no País atingiu 76,6 anos, só que as diferenças regionais fazem com que a média
da população nos estados mais pobres seja de até 8,5 anos a menos do que nos
mais ricos.
Enquanto
Santa Catarina marcava 79,9 anos, o Maranhão tinha 71,4. Política pública
precisa considerar essa diversidade. No dia 30, foi aberta a consulta sobre a
Política Nacional de Cuidados para que os cidadãos opinem, até 15 de dezembro,
sobre melhorias e avanços na atual legislação que engloba crianças, pessoas com
deficiência e idosos. O acesso é pela plataforma oficial Participa Mais Brasil.
Sem comentários:
Enviar um comentário