*********************************************************************
O fim
da magia na arte circense
Respeitável
público… Senhoras e senhores… nesse sábado fui ao circo. Tinha palhaço,
malabarismo, dança, globo da morte entre outros espetáculos. Olhares de
decepção estavam estampados nas caras de meus companheiros de plateia, que
fitavam o picadeiro ora pela tela dos malditos smartphones, ora com os próprios
olhos. Reparei logo de cara um segundo problema: o público — se respeitável eu
não sei — não compreendia aqueles sinais dos artistas que puxam aplausos —
olhares diretos, gritos de “hey”, gesto de curvar-se, etc. —, nem sacavam os
punches na comédia básica do palhaço, a ponto de o apresentador, constrangido,
ter de avisar ao microfone os momentos de baterem palmas. Qualquer um com certa
veia artística saiu arrasado daquelas lonas pitorescas.
O PHVox
depende dos assinantes, ouça o áudio abaixo. Conheça os benefícios, Assine!
As
pessoas já estão mal-acostumadas a verem todo tipo de presepada — algumas de
alto nível — na internet ou televisão. Crianças em tenra idade já viram de
tudo, em termos circenses, em suas telinhas: mágicos impressionantes,
ilusionistas inacreditáveis — com efeito de câmera, edição e toda a
parafernália — contorcionistas invertebrados como lesmas, equilibristas sem
equipamento em arranha-céus, palhaçadas para todo gosto etc. Óbvio, a magia do
circo acaba. Para um garoto que viu vídeos de equilibristas sem equipamento,
nas nuvens, é uma tristeza ver um senhor andando sobre uma corda a três metros
de altura, com rede de proteção logo abaixo. Imagina só ir a um circo e não ver
um mágico serrado ao meio, acorrentado num aquário cheio de tubarões, dentro de
um caixão, sobrevivendo a uma explosão de dez quilos de dinamite, com efeito
especial hollywoodiano.
Não há
culpa alguma em ter acesso a espetáculos surreais, os melhores de todo o mundo.
Claro que sobe o nível do gosto e da expectativa. Mas há culpa na falta de bom
senso e respeito, e na falta de percepções básicas para apreciar a arte
milenar, por mais humilde que seja. Acostumaram-se em apreciar com meio tédio
em potencial um conteúdo de trinta segundos e, em seguida, dar ou não um
“like”, e perderam totalmente a noção do “reforço positivo” da vida real. Vi
gente ouvindo e enviando áudio em aplicativo mensageiro, durante as
apresentações, como se estivessem de frente a uma televisão.
Os
circos populares continuam os mesmos, não pioraram em nada, pelo contrário. O
público que piorou. Se o circo terá de se adaptar à velocidade e preguiça da
modernidade é uma reflexão que temo em fazer, mas se o público continuar
desacostumando com a vida real, estarão por tabela matando a arte exterior à
virtual — ainda que seja a arte surreal e afins. Ninguém tem mais paciência
para entender um poema, ler um romance, ouvir uma música com mais de dois
minutos, observar o estilo de pinceladas em uma pintura, assistir uma hora de balé.
Nesse ritmo, a apreciação da arte restará para esquisitões aventureiros e
acadêmicos em busca de títulos.
01 de
dezembro de 2021
Por
hoje é isso. Quer receber mais esse tipo de conteúdo, inscreva-se gratuitamente
no Boletim Parnaso, clicando aqui!
Anderson
C. Sandes
Poeta,
cronista, ensaísta. Articulista no PHVox. Vivo de poesia pra não morrer de razão.
Sem comentários:
Enviar um comentário