Espiritualidade
e Inteligência – Parte I
O
Renascimento ocidental foi o início de uma mudança em relação a visão que se
tinha sobre a natureza, a qual, se antes era tida quase como um símbolo de uma
realidade transcendente, passou a ser vista como uma realidade autônoma. As
coisas do céu foram deixadas para o céu e perdeu-se a conexão notável entre o
reino de Deus e a vida no mundo.
Com a
divindade afastada dos negócios terrenos, os homens começaram a confiar a si
mesmos a missão de interpretar a natureza e lançaram-se a investigá-la por
conta própria. Sem a ajuda divina, puseram-se sob o guiamento da Razão, vista
como a única força confiável para a realização de tal tarefa. No ápice dessa
perspectiva iluminista, importava o cálculo humano, enquanto a fé ficou
relegada ao campo da irracionalidade. Mesmo pensadores piedosos, como
Kierkegaard, tomaram o transcendente como inacessível à razão, aberto somente à
intuição, ao salto de fé.
O ponto
de vista moderno separou o espírito da razão e, colocando-o ao lado da fé,
passou a tratá-lo como algo apartado da inteligência. As “coisas do espírito”
foram afastadas das discussões mais aprofundadas por fazer parte daquela área
de nossas vidas que não se desenvolve pelo intelecto. Como dizem: para o
espírito não há lógica.
Essa
cisão causada pela modernidade, porém, não foi uma mera inversão da perspectiva
medieval. É certo que os escolásticos tomavam a natureza por simbolo da
transcendência, porém, sem jamais perder a confiança na razão. Para eles, as
coisas do céu estavam imbricadas com as da terra, confundidas na percepção que
se tinha delas. Prevalecia uma certa harmonia entre misticismo e racionalismo.
O que a modernidade fez foi quebrar essa harmonia, exaltando a razão e
relegando o místico para uma zona obscura, já não mais acessível pela
inteligência.
O
resultado desse desprezo moderno pelas coisas do espírito foi a geração de um
preconceito inverso, que fez com que os “espirituais” rejeitassem a
racionalidade como algo frio, distante e até perigoso. Nasce, assim, a
desconfiança, entre os místicos, em relação aos estudos sistematizados, ao
conhecimento ordenado e até ao dogma.
Fábio
Blanco
Fabio
Blanco é professor de Oratória, Retórica e Argumentação, além de instrutor de
escrita argumentativa. Desde 2010 é idealizador do NEC - Núcleo de Ensino e
Cultura, sob o qual encontram-se os seus projetos Liceu de Oratória e Filosofia
Integral.
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