Espiritualidade
e Inteligência – Parte II
O erro
da modernidade de contrapor a razão ao espírito permitiu, é verdade, o
aprofundamento do conhecimento da natureza, porém, ao preço de perder de vista
as coisas superiores. No entanto, o espírito não se contrapõe à razão, mas
pressupõe-na. O espírito é, na verdade, o ápice da razão.
Podemos
chamar de espiritual a capacidade humana de, conscientemente, considerar a
existência, julgando-a, discernindo-a, criticando-a, a fim de instalar-se nela.
Isso, todo ser humano, em algum nível, faz. Por isso, todo ser humano é, por
natureza, espiritual.
Porém,
essa capacidade não é um estado fixo, imóvel, onde a pessoa se encontra
definitivamente. Pelo contrário, a capacidade espíritual é puro movimento, é um
processo dinâmico que pode manifestar-se desde uma mera reação ao entorno, até
uma reflexão totalmente desapegada da transitoriedade material.
Todavia,
nenhum desses dois extremos é possível, de fato, pois as coisas nunca são
consideradas apenas materialmente, já que isso eliminaria qualquer movimento
espiritual da pessoa, tornando-a um mero animal, como também não podem ser
discernidas de forma puramente espiritual, já que isso pressuporia que não
haveria mais nenhuma materialidade no processo, o que faria da pessoa um anjo,
um demônio ou um deus.
O
dinamismo do espírito supõe, então, que entre a materialidade e a
espiritualidade plena há uma infinidade de graus possíveis e a movimentação
entre esses graus é o que manifesta a capacidade espiritual, caracterizando
como “carnais” aqueles muito influenciados pelas forças inferiores, e
“espirituais” ou “pneumáticos” os libertos dessas forças.
No
entanto, independentemente do grau onde a pessoa se encontre, esse movimento
jamais ocorre sem a participação da consciência e se há consciência, isso
pressupõe o uso da inteligência. Podemos dizer, então, diante disso, que essa
perspectiva sobre a espiritualidade acaba reatando a comunhão, que a
modernidade quebrou, do espírito com a razão. Não que a espiritualidade esteja
restrita à razão, já que ela tem outros instrumentos, como a intuição, a fé e
outras possibilidades místicas, que podem lhe servir nesse processo de relação
com a realidade, mas desfaz a falsa oposição que se instalou entre elas.
Assim,
com a espiritualidade compreendida como um movimento da consciência, abrem-se
portas de interpretação que o entendimento meramente místico havia cerrado. Ao
conciliá-la com a racionalidade, até mesmo muitos dos textos sacros ganham uma
amplitude de entendimento e uma profundidade de compreensão que antes pareciam
enevoados pela expulsão da razão do reino do espírito.
Fábio
Blanco
Fabio
Blanco é professor de Oratória, Retórica e Argumentação, além de instrutor de
escrita argumentativa.
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