4a. Parte-Maria,
A mãe de Jesus.
A
história de Maria é um lembrete permanente dos encargos e das bênçãos do
discipulado.
Mary Kept All These Things, de Howard Lyon
Maria,
mãe de Jesus, é uma das poucas mulheres mencionadas nas escrituras e a única
cuja vida e cujo ministério foram profetizados séculos antes de seu nascimento
(ver 1 Néfi 11:15, 18; Mosias 3:8; Alma 7:10).1 Os autores dos livros de
Mateus, Marcos, Lucas e João, no Novo Testamento, fornecem somente vislumbres
da vida e do ministério dela porque seu foco está devidamente concentrado no
Salvador. Mas a igreja cristã primitiva deu a Maria o título de theotokos, a
“portadora ou mãe de Deus”2, como lembrete de uma parte importante que ela
também desempenha no plano do Pai.
O élder
Bruce R. McConkie (1915–1985), do Quórum dos Doze Apóstolos, escreveu: “Podemos
falar muito bem dela, a quem o Senhor abençoou acima de todas as mulheres.
Houve apenas um Cristo, e há apenas uma Maria. Ambos foram nobres e bons na
[existência pré-mortal] e foram preordenados para o ministério que Ele e ela
realizaram. Só podemos pensar que o Pai escolheria o mais grandioso espírito
feminino para ser a mãe de Seu Filho, assim como escolheu o espírito masculino
semelhante a Ele para ser o Salvador. (…) Devemos (…) respeitar Maria com a
devida consideração que ela merece”.3
O
relato de Lucas da história da Anunciação a Maria (ver Lucas 1:26–56) nos dá um
vislumbre por meio do qual podemos apreciar melhor essa notável jovem. Por meio
de suas interações com Gabriel e Isabel, vemos uma jovem tentando entender seu
chamado especial de Deus. A magnitude desse chamado deve ter pesado muito sobre
alguém tão jovem e, ainda assim, ela prontamente submeteu sua vontade à do Pai.
Sua história nos lembra que Deus conhece todos os Seus filhos e que Ele chama
homens e mulheres comuns para participar de maneiras extraordinárias para
ajudar a edificar Seu reino. Ela se tornou a primeira discípula de Jesus e,
portanto, ela é um modelo para todos os que escolhem segui-Lo.
Nazaré:
O lar de Maria
Infelizmente,
o Novo Testamento não fala nada sobre os pais de Maria, seu nascimento ou
qualquer coisa sobre sua vida em Nazaré. Lucas descreve Nazaré como uma pólis,
que se pode traduzir como cidade, mas não parece ter sido um lugar de
importância. Fora do Novo Testamento, Nazaré não é mencionada em nenhum texto
até o final do século 2 d.C.
Sabemos
que Nazaré estava localizada numa colina na baixa Galileia com vista para o
vale fértil de Jezreel, cerca de 100 quilômetros ao norte de Jerusalém. A
arqueologia indica que a Nazaré do século 1 era mais um povoado do que uma
cidade ou mesmo uma cidadezinha, com uma população de cerca de 400 a 500
pessoas.4 Com poucas exceções, grande parte da população em toda a Galileia
lutava para sobreviver como trabalhadores de subsistência, cuidando de
rebanhos, pescando e lavrando a terra para pôr a comida na mesa para a família
e para pagar seus impostos. A aldeia não tinha fortificações. Não há nenhuma
evidência de que ela possuía ruas pavimentadas ou arquitetura monumental nem
que usava artigos de luxo como mármore, mosaicos ou afrescos nos edifícios ou
que as casas tinham utensílios finos importados.5 As duas casas do século 1 que
foram escavadas parecem ser habitações modestas de um andar, com dois quartos,
um telhado de palha e um pequeno pátio.6 As práticas funerárias e alguns
pedaços de vaso de pedra calcária indicam que os habitantes eram judeus, em vez
de gentios.
Embora
nenhuma dessas descobertas possa estar ligada diretamente a Maria ou sua
família, elas nos dão uma ideia de como pode ter sido sua vida em Nazaré: uma
camponesa vivendo em uma aldeia rural, longe do centro religioso de Jerusalém
com seu templo, sua aristocracia sacerdotal e riqueza. Mesmo sendo jovem, ela
deve ter trabalhado ao lado da mãe e das outras mulheres da aldeia, tecendo
roupas, cozinhando, apanhando lenha, recolhendo água das cisternas da família
ou dos poços da aldeia e trabalhando no campo — tudo para contribuir para a
sobrevivência da família no dia a dia.
O
chamado de Maria
A
história de Maria no livro de Lucas começa com a aparição do anjo Gabriel, o
mesmo anjo que aparecera anteriormente a Zacarias no templo (ver Lucas 1:11,
19, 26). Quando Gabriel aparece, Maria é uma jovem que estava noiva de José
(ver Lucas 1:27). Embora não saibamos a idade de Maria na época, na antiguidade
era possível que os contratos de casamento fossem arranjados antes mesmo da
puberdade. A aparição e as declarações do anjo Gabriel de que Maria é
“altamente favorecida”, que “o Senhor é contigo”, que ela é “bendita (…) entre
as mulheres” e que, de acordo com a Tradução de Joseph Smith, em inglês, de
Lucas 1:28, ela foi “escolhida” (ver também Alma 7:10) devem ter causado uma
reação mista de confusão e até mesmo de medo em Maria. Podemos apenas imaginar
que pensamentos devem ter passado pela sua mente naquele momento, que devem ter
incluído perguntas como: “Por que Deus me considera ‘bendita entre as
mulheres’?” “Por que ‘[achei] graça diante de Deus’ e o que isso significa?”
“Por que Deus enviou o anjo Gabriel para mim e não para outras moças de Nazaré
ou Jerusalém?” Sim, ela era da casa de Davi (ver Lucas 1:32; Romanos 1:3), mas
isso não significava muito sob a ocupação romana. Afinal, era apenas uma jovem
de uma família de camponeses, morando em uma pequena aldeia. Mais tarde,
Natanael perguntaria: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?”(João 1:46.)
Gabriel
não responde a nenhuma das perguntas que talvez tenham preenchido a mente e o
coração de Maria. Em vez disso, continua com a mensagem: ela conceberá uma
criança, mas não uma criança qualquer. Seu filho será chamado de “Filho do
Altíssimo” e receberá “o trono de Davi, seu pai” (ver Lucas 1:32–33). Em outras
palavras, Gabriel disse a Maria que seu filho seria tanto o Filho de Deus
quanto o Messias prometido. Se Maria ficou confusa e com medo antes desse
anúncio, podemos imaginar sua intensa emoção depois disso.
Vamos
refletir sobre um princípio que essa parte da história de Maria ensina sobre o
discipulado. O plano de Deus para Maria não foi algo que ela havia pedido. O
anjo Gabriel apareceu a Zacarias porque ele e Isabel tinham orado pedindo o
milagre de um filho, mas ele apareceu para Maria sob circunstâncias muito
diferentes: não para realizar um pedido, mas para anunciar a vontade de Deus
para ela. Com seu casamento iminente, é provável que Maria houvesse pensado na
possibilidade de ter filhos no futuro. No entanto, embora houvesse uma onda de
expectativa messiânica no judaísmo no século 1, teria Maria pensado que ela,
uma camponesa de Nazaré, seria a mãe do Messias? É bem provável que não. A
questão é que os chamados ao discipulado costumam exigir alterações em nossos
planos de vida pessoal.
Lucas
concentra seu registro nas declarações de Gabriel e depois nas de Isabel. Mas
há três ocasiões em que Maria articula seus pensamentos e sentimentos.
O anjo
Gabriel apareceu a Maria com a surpreendente mensagem de que ela era “bendita
entre as mulheres” e que daria à luz o Filho de Deus.
Annunciation of Mary, de Joseph Brickey
Uma
pergunta inspirada
A
primeira é sua pergunta ao anjo Gabriel: “Como se fará isso, pois não conheço
homem algum?” (Lucas 1:34.) Dadas as circunstâncias, a pergunta dela é
razoável. Isso lembra os leitores da pergunta de Zacarias: “Como saberei isso?
[Isto é, que Isabel teria um filho]” (versículo 18). Contudo, enquanto a
pergunta dele expressa dúvida sobre a resposta de Gabriel a uma oração que o
próprio Zacarias fez a Deus, a pergunta de Maria busca esclarecimentos sobre a
vontade declarada de Deus para ela. As perguntas são inevitáveis quando os
chamados de Deus desafiam os discípulos a elevar os padrões e sair de sua zona
de conforto, e perguntas inspiradas levam à revelação.
A
resposta de Gabriel à pergunta de Maria vem em três partes:
Em
primeiro lugar, ele diz a Maria: “Descerá sobre ti o Espírito Santo” (versículo
35). O Espírito Santo é o poder pelo qual os discípulos em todas as épocas são
magnificados em seus chamados. “Lembrem-se de que esta obra não é somente sua e
minha”, ensinou o presidente Thomas S. Monson (1927–2018). “É a obra do Senhor
e, quando estamos a serviço do Senhor, temos o direito de receber Sua ajuda.
Lembre-se de que o Senhor qualifica aqueles a quem Ele chama.”7 Então, Gabriel
dá informações específicas a Maria sobre sua situação: “E o poder do Altíssimo
te cobrirá com a sua sombra8; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer,
será chamado Filho de Deus” (versículo 35).
Em
segundo lugar, Gabriel fala a Maria sobre Isabel, alguém que está passando por
uma gravidez milagrosa semelhante, embora não idêntica (ver o versículo 36). A
gravidez de Isabel é um sinal para Maria de que ela não está sozinha, de que há
pelo menos outra pessoa que tem uma noção do que está acontecendo.
Em
terceiro lugar, Gabriel declara de modo inequívoco: “Porque para Deus nada será
impossível” (versículo 37). Deus fez o impossível quando Isabel concebeu.9 A
declaração do anjo Gabriel é um lembrete aos discípulos de todas as épocas de
que, quando aceitamos os chamados de Deus, os milagres podem acontecer.
A
vontade de um discípulo
A
segunda reação verbal de Maria na história sintetiza, a meu ver, o compromisso
e a perspectiva de um discípulo: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim
segundo a tua palavra” (Lucas 1:38). “Serva” indica que Maria escolheu aceitar
o chamado que Deus lhe deu. Essa declaração é a versão de Maria do que seu
Filho dirá no Getsêmani: “Não se faça a minha vontade, senão a tua” (Lucas
22:42). Embora pareça claro que neste ponto da jornada ela não consegue
entender tudo o que será exigido dela — Simeão mais tarde profetiza para ela
que “uma espada [transpassaria] também a [sua] própria alma” (Lucas 2:35) —
Maria escolhe, apesar de tudo, seguir em frente com fé.
“E o
anjo ausentou-se dela” (Lucas 1:38). Quando Gabriel vai embora, Maria é deixada
sozinha. Uma coisa é, como discípula, fazer aquela declaração na presença de um
mensageiro divino, mas como ela agiria depois da partida do anjo? Como
explicaria essa experiência a seus pais? E para José? O que vai lhe custar se
eles ou os moradores de Nazaré não acreditarem nela? Sua vida em Nazaré, uma
localidade tão pequena, poderia agora se tornar difícil para ela.
THE MEETING OF MARY AND ELIZABETH, de Carl Heinrich
Bloch
Então,
ela se lembra da segunda parte da resposta de Gabriel para sua pergunta e viaja
para a casa de Isabel. Mais uma vez, as duas histórias iniciais de Lucas estão
entrelaçadas. Assim que Maria cumprimenta Isabel, “a criança saltou no seu
ventre; e Isabel foi cheia do Espírito Santo, e exclamou com grande voz, e
disse: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito, o fruto do teu ventre”
(Lucas 1:41–42). Sua saudação dirigida pelo Espírito reforçou o que Gabriel já
havia declarado sobre o lugar abençoado de Maria entre as mulheres. Maria agora
tinha uma segunda testemunha de seu chamado, mas só veio depois de tê-lo
aceitado de bom grado.
O
relato de Maria e Isabel é um lembrete de dois grandes aspectos na vida dos
discípulos modernos. É um lembrete do grande valor simbiótico no coração da
Sociedade de Socorro em todo o mundo: mulheres de diferentes idades e em
diferentes estágios da vida se unindo para amparar e apoiar umas às outras em momentos
de necessidade. É também um lembrete de que Deus não abandona aqueles a quem
Ele chamou em seus momentos de necessidade, mas que Ele muitas vezes responde
envolvendo-os nos braços de outras pessoas a quem Ele também chamou.
O
Magnificat
A
expressão final de Maria é conhecida como o Magnificat e é sua manifestação de
alegria em resposta às declarações de Isabel. Ela expressa seus sentimentos
sobre o que aconteceu em sua vida e reflete seu entendimento recente de seu
lugar no plano de Deus. Sobretudo ela engrandece, louva e glorifica a seu Deus,
em Quem se alegra como seu Salvador (ver Lucas 1:46–47). Ela vê em sua
experiência a contínua misericórdia de Deus, tanto no fato de que Ele escolheu
uma pessoa cheia de “humildade” como Maria (ver os versículos 48–50) como
também no fato de que Ele a escolheu para desempenhar um papel central no
cumprimento do convênio abraâmico (ver versículos 54–55).
“E
Maria ficou com [Isabel] quase três meses, e depois voltou para sua casa”
(versículo 56). Maria estava agora mais preparada para cumprir seu chamado
divino.
O
exemplo de Maria para nós
Entre
os discípulos modernos e a história de Maria há um hiato de 2 mil anos, além de
diferenças culturais. No entanto, sua história é um lembrete permanente dos
encargos do discipulado. Deus espera que Seus seguidores aceitem os convites
que Ele lhes oferece. O presidente Russell M. Nelson nos lembra de que “Deus
sempre pediu a Seus filhos do convênio que fizessem coisas difíceis”.10 Maria
não foi uma exceção e nós também não somos. Nosso desafio é ter fé para
submeter nossa vontade à Dele, para aceitar Seus chamados com fé que Seu
Espírito nos magnificará em Seu serviço. Bonnie H. Cordon, presidente geral das
Moças, também nos lembra de que “podemos fazer coisas difíceis, mas podemos
também fazê-las com alegria”.11
Como
discípulos modernos, qual será nosso Magnificat? Como vamos expressar nossa
alegria em nosso Deus? Como vamos expressar o esplendor de Sua misericórdia em
nossa vida? Como encontraremos maneiras de celebrar nossa parte no cumprimento
do convênio abraâmico em nossos dias? Essas são, talvez, apenas algumas das
maneiras pelas quais podemos aprender com a história extraordinária do
discipulado de Maria.
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