Foro de
São Paulo
Jesus:
apenas um rabino rigorista?
Pe. Bernardo Maria,
A
situação interna que se vive na Igreja atualmente é tão difícil, que a
preocupação quanto ao que pode ainda acontecer chegou já aos mais altos níveis
da hierarquia católica. Não é errado observar que há uma evolução da nossa
compreensão do dogma quando tentamos compreender mais e melhor a Revelação, quando
tentamos perscrutar sinais e significados até então escondidos em tudo o que
Jesus anunciou sobre a Terra, mas outra coisa muito diferente é a traição e
manipulação desse dogma, dos ensinamentos de Cristo, buscando todo tipo de
justificativas para teorias e comportamentos que se desviam da verdadeira fé.
Essa
teologia desviada com a qual temos convivido ultimamente, e que nas últimas
décadas até mesmo goza de certo prestígio entre o clero e o episcopado católico
quer convencer-nos de que a fé não é mais que uma experiência, de que a fé não
precisa ter um conteúdo intelectual. O aspecto da experiência pessoal com Deus
é muitíssimo importante, mas não se pode relativizar nem negar o fato de que a
fé católica tem, sim, um conteúdo doutrinal, ideias e de princípios reunidos no
depositum fidei (depósito da fé), ou seja, o corpo da verdade revelada nas
Escrituras e na Sagrada Tradição da Igreja Católica. Se não compartilhamos da
mesma crença no conteúdo desse depósito da fé, já não somos mais católicos! É preciso
unidade, sobretudo quando se trata de responder àquela pergunta feita pelo
próprio Cristo: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).
Também
tem sido uma verdadeira batalha impedir que nossos irmãos na fé deixem-se levar
pela mentira de que tanto faz ser católico, ou protestante, ou budista, ou
muçulmano, ou espírita, ou não se dizer pertencente a nenhuma das religiões
tradicionais, ou até mesmo ser ateu. Prega-se que há um senso religioso comum a
todos os povos, e que isso é a fé, e é só o que importa, deixando-se de lado a
essência do cristianismo, a certeza de que em Jesus Cristo está a plenitude da
Revelação. Agir assim é renunciar à verdade, é assassinar a fé, é trilhar um
caminho equivocado com a ilusão de que por ele se vai alcançar a paz entre as
religiões do mundo. Quer-se disseminar a ideia de que não há uma história da
salvação (Israel – Jesus – Igreja), nem uma revelação cristã específica, dando
a entender que tudo o que é sobrenatural é falso (desde as profecias do Antigo
Testamento até os milagres e as revelações particulares dos últimos séculos,
passando pela encarnação do Verbo, em Jesus de Nazaré). Para os falsos teólogos
da modernidade, Jesus não é o Filho de Deus, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem, mas apenas um homem extraordinário, uma testemunha autorizada da vontade
salvífica de Deus, e não o Redentor da Humanidade. Quando se perde a fé, ou
concebe-se a fé como uma simples relação abstrata com um deus que vive à margem
do mundo e que não se interessa por nós, a primeira verdade que se joga fora é
a da Encarnação de Nosso Senhor e, portanto, a da Salvação que nos é dada por
Jesus Cristo. É essa a estrutura que se está propondo atualmente como um novo
cristianismo, com o advento de uma nova Igreja, a fim de nivelar os ensinamentos
de Jesus aos de criaturas como Maomé, Confúcio, Gandhi, ou Allan Kardec.
Ao
final do passado mês de Agosto, no dia 20, publicou-se no site italiano de
notícias “Il Fatto Quotidiano”
(https://www.ilfattoquotidiano.it/in-edicola/articoli/2023/08/20/semi-della-rivoluzione-gesu-loda-la-grande-fede-di-una-donna-pagana/7266175/)
um comentário ao Evangelho (Mt 15,21-28) do Padre Jesuíta Antonio Spadaro,
teólogo italiano e editor da revista La Civiltà Cattolica, em que o mesmo
qualifica Jesus, em seu diálogo com uma mulher cananeia, como irritado,
insensível, duro, com modos zombeteiros e desrespeitosos, cego pelo
nacionalismo e pelo rigorismo teológico, aprisionado pela rigidez de elementos
teológicos, políticos e culturais dominantes no seu tempo. Esse comentário do
Pe. Spadaro assemelha-se muito ao que fariam teólogos como Hermann Samuel
Reimarus, Gotthold Ephraim Lessing, Friedrich Schleiermacher, Ferdinand
Christian Baur, ou David Friedrich Strauss. Esses autores identificavam-se com
uma mesma corrente teológica, de muito êxito e de muita influência no final do
século XIX e mesmo no início do século XX, chamada “teologia liberal”. Tais
autores, advindos sobretudo do seio protestante alemão, tinham como objetivo
tornar a fé cristã compatível com o mundo moderno, e dedicaram-se a destruir
tudo o que pudesse supor um dogma, e a eliminar tudo aquilo que tivesse algum
caráter sobrenatural, como por exemplo, os milagres, ou a noção da divindade de
Jesus de Nazaré. Para eles, portanto, os Evangelhos não tinham rigor histórico,
eram mitológicos, o que impedia o acesso à figura autêntica do Jesus, que,
segundo eles, não foi mais do que um rabino judeu moralizante que foi
posteriormente deificado por São Paulo, o qual teria sido, este sim, o
verdadeiro fundador do cristianismo. Essa corrente de pensamento blasfema –
porque nega a divindade de Jesus Cristo – está atualmente impregnada em setores
do interior da Igreja Católica, onde se percebe claramente uma tentativa de
“maquiar” a mensagem de Jesus, a fim de que ela possa ser palatável e atraente
para o mundo, eliminando tudo aquilo que incomoda o pensamento do homem
contemporâneo, já totalmente afeiçoado ao relativismo e ao hedonismo. O
objetivo de muitos e muitos eclesiásticos hoje é “adaptar a Igreja ao mundo”. A
estes, incomoda Jesus Cristo, incomoda o Jesus histórico, incomodam os
Evangelhos. Então, o que dizem é que Jesus foi influenciado culturalmente por
sua época. Não matam Jesus, como os teólogos liberais, que dizem que o mesmo
não existiu. Dizem que os ensinamentos de Jesus estão contaminados pela cultura
e pelos costumes de sua época e que, sendo assim, não precisam ser escutados
nem seguidos, nem tampouco tomados em grau de dogma, porque não é um
ensinamento que vem de Deus, mas de uma espécie de rigorismo judeu.
Afirmar
que Aquele que morreu na cruz não é o Redentor, ou que Ele talvez nem tenha
existido historicamente, é encaixar-se na descrição que faz São Paulo dos
infiéis, em uma de suas cartas: “De fato, vai chegar um tempo em que muitos não
suportarão a sã doutrina e se cercarão de mestres conforme seus desejos, quando
sentem coceira no ouvido e, desviando ou ouvido da verdade, voltam para as
fábulas” (2 Tm 4,3-4).
É
preciso ter muito cuidado com os falsos profetas, que abundam por todos os
lados, apregoando a urgência de modernizar a Igreja, porque, nos últimos 60
anos, foi feito um enorme esforço evangelizador, um incansável trabalho
pastoral; tentou-se de todas as maneiras abrir o coração dos católicos à ideia
pós-conciliar do aggiornamento (=atualização), e, ainda assim, o número de
nossos fiéis diminuiu em 40%. Na Alemanha, pregoeira da modernidade religiosa,
meio milhão de católicos, em 2022, deixaram a Igreja. Até o ano de 1960,
éramos, no Brasil, 94% de católicos, e atualmente não ultrapassamos a marca de
49% da população. Algo está errado, e o erro está numa equivocada noção de
Igreja, numa falsa, perniciosa e diabólica eclesiologia, e na total descrença
de que Jesus é o Cristo, de que Jesus é Deus feito homem.
Pe.
Bernardo Maria
Monge
do Mosteiro Cisterciense Nossa Senhora de Nazaré, em Rio Pardo - RS site:
http://nazare.org.br/
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Foro de
São Paulo
Jesus:
apenas um rabino rigorista?
Pe. Bernardo Maria,
A
situação interna que se vive na Igreja atualmente é tão difícil, que a
preocupação quanto ao que pode ainda acontecer chegou já aos mais altos níveis
da hierarquia católica. Não é errado observar que há uma evolução da nossa
compreensão do dogma quando tentamos compreender mais e melhor a Revelação, quando
tentamos perscrutar sinais e significados até então escondidos em tudo o que
Jesus anunciou sobre a Terra, mas outra coisa muito diferente é a traição e
manipulação desse dogma, dos ensinamentos de Cristo, buscando todo tipo de
justificativas para teorias e comportamentos que se desviam da verdadeira fé.
Essa
teologia desviada com a qual temos convivido ultimamente, e que nas últimas
décadas até mesmo goza de certo prestígio entre o clero e o episcopado católico
quer convencer-nos de que a fé não é mais que uma experiência, de que a fé não
precisa ter um conteúdo intelectual. O aspecto da experiência pessoal com Deus
é muitíssimo importante, mas não se pode relativizar nem negar o fato de que a
fé católica tem, sim, um conteúdo doutrinal, ideias e de princípios reunidos no
depositum fidei (depósito da fé), ou seja, o corpo da verdade revelada nas
Escrituras e na Sagrada Tradição da Igreja Católica. Se não compartilhamos da
mesma crença no conteúdo desse depósito da fé, já não somos mais católicos! É preciso
unidade, sobretudo quando se trata de responder àquela pergunta feita pelo
próprio Cristo: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).
Também
tem sido uma verdadeira batalha impedir que nossos irmãos na fé deixem-se levar
pela mentira de que tanto faz ser católico, ou protestante, ou budista, ou
muçulmano, ou espírita, ou não se dizer pertencente a nenhuma das religiões
tradicionais, ou até mesmo ser ateu. Prega-se que há um senso religioso comum a
todos os povos, e que isso é a fé, e é só o que importa, deixando-se de lado a
essência do cristianismo, a certeza de que em Jesus Cristo está a plenitude da
Revelação. Agir assim é renunciar à verdade, é assassinar a fé, é trilhar um
caminho equivocado com a ilusão de que por ele se vai alcançar a paz entre as
religiões do mundo. Quer-se disseminar a ideia de que não há uma história da
salvação (Israel – Jesus – Igreja), nem uma revelação cristã específica, dando
a entender que tudo o que é sobrenatural é falso (desde as profecias do Antigo
Testamento até os milagres e as revelações particulares dos últimos séculos,
passando pela encarnação do Verbo, em Jesus de Nazaré). Para os falsos teólogos
da modernidade, Jesus não é o Filho de Deus, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem, mas apenas um homem extraordinário, uma testemunha autorizada da vontade
salvífica de Deus, e não o Redentor da Humanidade. Quando se perde a fé, ou
concebe-se a fé como uma simples relação abstrata com um deus que vive à margem
do mundo e que não se interessa por nós, a primeira verdade que se joga fora é
a da Encarnação de Nosso Senhor e, portanto, a da Salvação que nos é dada por
Jesus Cristo. É essa a estrutura que se está propondo atualmente como um novo
cristianismo, com o advento de uma nova Igreja, a fim de nivelar os ensinamentos
de Jesus aos de criaturas como Maomé, Confúcio, Gandhi, ou Allan Kardec.
Ao
final do passado mês de Agosto, no dia 20, publicou-se no site italiano de
notícias “Il Fatto Quotidiano”
(https://www.ilfattoquotidiano.it/in-edicola/articoli/2023/08/20/semi-della-rivoluzione-gesu-loda-la-grande-fede-di-una-donna-pagana/7266175/)
um comentário ao Evangelho (Mt 15,21-28) do Padre Jesuíta Antonio Spadaro,
teólogo italiano e editor da revista La Civiltà Cattolica, em que o mesmo
qualifica Jesus, em seu diálogo com uma mulher cananeia, como irritado,
insensível, duro, com modos zombeteiros e desrespeitosos, cego pelo
nacionalismo e pelo rigorismo teológico, aprisionado pela rigidez de elementos
teológicos, políticos e culturais dominantes no seu tempo. Esse comentário do
Pe. Spadaro assemelha-se muito ao que fariam teólogos como Hermann Samuel
Reimarus, Gotthold Ephraim Lessing, Friedrich Schleiermacher, Ferdinand
Christian Baur, ou David Friedrich Strauss. Esses autores identificavam-se com
uma mesma corrente teológica, de muito êxito e de muita influência no final do
século XIX e mesmo no início do século XX, chamada “teologia liberal”. Tais
autores, advindos sobretudo do seio protestante alemão, tinham como objetivo
tornar a fé cristã compatível com o mundo moderno, e dedicaram-se a destruir
tudo o que pudesse supor um dogma, e a eliminar tudo aquilo que tivesse algum
caráter sobrenatural, como por exemplo, os milagres, ou a noção da divindade de
Jesus de Nazaré. Para eles, portanto, os Evangelhos não tinham rigor histórico,
eram mitológicos, o que impedia o acesso à figura autêntica do Jesus, que,
segundo eles, não foi mais do que um rabino judeu moralizante que foi
posteriormente deificado por São Paulo, o qual teria sido, este sim, o
verdadeiro fundador do cristianismo. Essa corrente de pensamento blasfema –
porque nega a divindade de Jesus Cristo – está atualmente impregnada em setores
do interior da Igreja Católica, onde se percebe claramente uma tentativa de
“maquiar” a mensagem de Jesus, a fim de que ela possa ser palatável e atraente
para o mundo, eliminando tudo aquilo que incomoda o pensamento do homem
contemporâneo, já totalmente afeiçoado ao relativismo e ao hedonismo. O
objetivo de muitos e muitos eclesiásticos hoje é “adaptar a Igreja ao mundo”. A
estes, incomoda Jesus Cristo, incomoda o Jesus histórico, incomodam os
Evangelhos. Então, o que dizem é que Jesus foi influenciado culturalmente por
sua época. Não matam Jesus, como os teólogos liberais, que dizem que o mesmo
não existiu. Dizem que os ensinamentos de Jesus estão contaminados pela cultura
e pelos costumes de sua época e que, sendo assim, não precisam ser escutados
nem seguidos, nem tampouco tomados em grau de dogma, porque não é um
ensinamento que vem de Deus, mas de uma espécie de rigorismo judeu.
Afirmar
que Aquele que morreu na cruz não é o Redentor, ou que Ele talvez nem tenha
existido historicamente, é encaixar-se na descrição que faz São Paulo dos
infiéis, em uma de suas cartas: “De fato, vai chegar um tempo em que muitos não
suportarão a sã doutrina e se cercarão de mestres conforme seus desejos, quando
sentem coceira no ouvido e, desviando ou ouvido da verdade, voltam para as
fábulas” (2 Tm 4,3-4).
É
preciso ter muito cuidado com os falsos profetas, que abundam por todos os
lados, apregoando a urgência de modernizar a Igreja, porque, nos últimos 60
anos, foi feito um enorme esforço evangelizador, um incansável trabalho
pastoral; tentou-se de todas as maneiras abrir o coração dos católicos à ideia
pós-conciliar do aggiornamento (=atualização), e, ainda assim, o número de
nossos fiéis diminuiu em 40%. Na Alemanha, pregoeira da modernidade religiosa,
meio milhão de católicos, em 2022, deixaram a Igreja. Até o ano de 1960,
éramos, no Brasil, 94% de católicos, e atualmente não ultrapassamos a marca de
49% da população. Algo está errado, e o erro está numa equivocada noção de
Igreja, numa falsa, perniciosa e diabólica eclesiologia, e na total descrença
de que Jesus é o Cristo, de que Jesus é Deus feito homem.
Pe.
Bernardo Maria
Monge
do Mosteiro Cisterciense Nossa Senhora de Nazaré, em Rio Pardo - RS site:
http://nazare.org.br/
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