Revolução
e
“Uma
nova era de explicação mágica do mundo está chegando, uma experiência baseada
na vontade, mais que no conhecimento. Não existe verdade, seja no sentido
moral, seja no sentido cientifico” — Adolf Hitler
[Nihilismo:
Visão de mundo que nega os fundamentos dos valores e crenças tradicionais e que
considera a própria existência sem sentido e inútil. Doutrina que nega a
existência de fundamento à verdade, principalmente à verdade moral, assegurando
que as condições da organização social são tão ruins, que merecem ser
destruídas, sem compromisso com nenhum programa de reconstrução]
Hermann
Rauschning, alto prócer nazista, íntimo colaborador, conselheiro e confidente
do Führer, tendo chegado ao posto de Presidente do Senado da Cidade de Dantzig,
ao perceber o rumo de terrorismo e chantagem internacional que o regime
adotara, foge para o Ocidente e escreve The Revolution of Nihilism – A Warning
to the West. O livro foi publicado na
Europa logo após a anexação da Sudetenland, região da então Tchecoslováquia com
população de origem predominantemente germânica, e em 1939 nos Estados Unidos.
Imediatamente considerado pela imprensa o livro mais importante sobre o
Nacional Socialismo depois de Mein Kampf, mostrou ser também profético. Predisse o Pacto Germano-Soviético num
momento em que a campanha anti-soviética pela imprensa oficial alemã estava no
seu auge. O Ministro da Propaganda, Goebbels, vociferava pelo rádio e em
artigos no Voelkischer Beobachter, contra os comunistas como os maiores
inimigos da Vaterland e da construção do nacional-socialismo. Predisse a
invasão da Polônia e a anexação da Dinamarca como um Estado títere de Berlim.
Embora valorizado pela imprensa, os políticos,
com exceção de Churchill, não lhe deram a devida importância, tão hipnotizados
estavam pela Paz a qualquer preço, que os levava a aceitar as promessas do
Führer de que ‘a Alemanha não tem outros interesses territoriais’. Movimentos pacifistas louvavam Hitler como
dirigente pacífico e Churchill como um belicoso maldito. A cada nova conquista
‘sem interesses territoriais’ Chamberlain, Halifax e Daladier voltavam
exultantes e otimistas dos encontros com o afável e simpático Herr Hitler. O que ocorria é que os eternos pacifistas
achavam, como ainda hoje, que podem apaziguar os tiranos com promessas e
concessões, transformar pessoas essencialmente más e dispostas a matar até seus
concidadãos, em “boa gente’’. Lênin foi claro ao dizer que os tolos liberais do
Ocidente, são “idiotas úteis” para quem tem fins a esconder. Cal Thomas sugeriu
recentemente, que poder-se-ia construir um Hall of Infamy com os líderes
políticos, diplomáticos, religiosos, acadêmicos e intelectuais que tiveram fé
em políticas de apaziguamento para impedir guerras, gerando conflitos ainda piores
e mais sangrentos como resultado de sua credulidade ingênua.
As pessoas comuns não se dão conta
em tempo, de que tais líderes – diferentemente daqueles líderes realistas que
pretendem implementar políticas racionais – se sentem imbuídos de uma missão
sagrada à qual submetem todos seus atos e pensamentos. Hitler declarou que sua
vida mudou quando, aos doze anos de idade, assistiu pela primeira vez uma obra
de Wagner, Lohengrin. Tornou-se um
ardente admirador do mestre de Bayreuth desde então, chegando a afirmar que
“quem quiser entender a Alemanha Nacional Socialista, deve conhecer Wagner”. É
sintomático que Hitler tenha resistido à pressão da cúpula nazista para banir a
ópera Parsifal, uma obra de fundo profundamente religioso que trata da busca do
Santo Graal e da Lança Sagrada, ou do Destino, usada para curar as feridas de
Cristo, e com uma mensagem de renúncia cristã, compaixão e pacifismo. Aceitou a
contragosto a proibição, pouco antes da guerra e da intensificação da campanha
antimonástica, da qual a Irmandade do Santo Graal é uma alegoria. Sua hesitação se deveu ao fato de considerar
Parsifal um dos mais importantes heróis arianos do panteão wagneriano. Embora considerasse Der Ring des Nibelungen
(O Anel dos Nibelungos) e seu herói Siegfried como a mais germânica das obras
de Wagner, Parsifal sempre mereceu um destaque especial.
O Dr
Walter Stein, místico austríaco, explicou que Hitler esteve, na juventude,
envolvido com estudos de ocultismo e que ao se deparar pela primeira vez com a
Lança do Destino (ou a lança que há séculos se acredita que seja esta
relíquia), no Hofbergmusaeum, em Viena, foi tomado por violentas emoções e
visões do destino glorioso que lhe estava reservado. No Mein Kampf ele disse
que estes foram os anos mais importantes de sua vida, quando ele aprendeu tudo
o que necessitava para liderar o povo alemão. Sentia-se Parsifal com a lança
mágica que continha o sangue – não de Cristo – mas o puro sangue ariano que
curaria todas as feridas da Vaterland. E que não eram poucas, depois da derrota
na Grande Guerra e do Tratado de Versailles.
A isto se deve o fato de Hitler ter
abandonado os estudos regulares e nunca ter mantido uma atividade profissional
definida, levando a vida ora como flaneur, ora como pintor medíocre, ora como
ativista político, vivendo, inexplicavelmente, de uma pensão de veterano de
guerra certamente corroída pela brutal inflação do período ou às custas do
Partido e de amigos, com todas as propriedades originadas em doações, como sua
casa em Oberzalsberg.
Faz
parte da construção da figura mítica a ausência de origem clara – o herói
Parsifal surge do nada, sem saber quem é e de quem descende – o mistério sobre
o sustento, e a aura de predestinado. O
grande herói não necessita de conhecimento, basta a predestinação e a vontade
que deve predominar sobre qualquer conhecimento objetivo. Neste domínio, a
noção de verdade perde todo o sentido, pois esta está contida na vontade
dominadora, geralmente uma afirmação simplista, de fácil apreensão por qualquer
um, mesmo sem instrução. Esta falsa verdade suscita o fanatismo.
O
caminho para o nihilismo
“O
fanatismo é a única forma de verdade que pode ser incutida nos fracos e nos
tímidos” — Friedrich Nietzche
Construção
da figura mítica do Líder Herói, defesa do mesmo para que se torne inatacável e
qualquer crítica seja respondida com profunda indignação, abolição de qualquer
conceito válido, científico ou moral, de verdade objetiva, destruição
sistemática do conhecimento racional e afirmação da vontade como superior a
todo conhecimento. Com tais ingredientes, grande parte do caminho está feita. A
‘blindagem’ do Líder deve ser de tal monta que qualquer crítico ou discordante,
seja visto como um ET. Tanto o Líder como seus adeptos devem falar de forma a
mais genérica possível, sobretudo jamais entrar em discussões ou debates, nem
tentar ser informativo ou usar algum argumento racional.
Rauschning
diz que as pessoas geralmente levam a sério os programas revolucionários, mas
não dão a devida atenção às táticas utilizadas pelas forças efetivas que se
escondem atrás do programa. O programa é a exposição racional de metas
aceitáveis; aquelas forças atuam no emocional de forma hipnótica, gerando o
fanatismo. O programa deve conter
elementos de forte apelo popular, no caso do nazismo foi a superioridade racial
e a injustiça da convivência na Vaterland com raças inferiores com os mesmos
direitos; em outros casos pode ser, p. ex., a “justiça” social. Mas este
elemento não passa de isca para esconder o verdadeiro anzol: as táticas
revolucionárias extremistas e a avidez pelo poder. Os objetivos devem ser
descritos de forma vaga pois servem apenas como elementos de recrutamento para
atrair a militância, ou ao menos o voto, de todas as pessoas insatisfeitas com
suas condições de existência. Os programas e objetivos são para as massas, a
elite do movimento não respeita padrões éticos ou filosóficos e não deve se
sentir comprometida senão com a mais absoluta lealdade aos companheiros.
A destruição do sentido das palavras
é fundamental de modo que não reste mais nenhuma idéia digna deste nome, mas
apenas substitutos das mesmas que possam ser instiladas nas massas por sugestão
emocional de modo a criar um mito que dê às mesmas, a energia para a ação. Faz-se necessária a apropriação das idéias
das genuínas elites sociais e políticas – que costumam usa-las de forma
racional – para enganar e hipnotizar uma nação perplexa com palavras que já não
têm mais nenhum significado racional. Ausência de idéias e triunfo da vontade:
eis o âmago do nihilismo. Uma nação desprovida de idéias é fácil de ser
hipnotizada; um povo sem idéias não é mais do que massa amorfa e moldável.
O
triunfo da vontade!
“A mais
importante mudança produzida por um controle governamental profundo, é uma
mudança psicológica, uma alteração no caráter das pessoas” — Friedrich Hayek
Tomar o
poder via insurreição das massas já não era mais possível naqueles tempos. O
voluntarismo de Röehm e das Tropas de Assalto (SA-Sturm Abteilungen) tinha que
ser substituído pelo pragmatismo de Hitler, Goebbels e Goering: usar a via
parlamentar, apresentando-se como um partido que amadurecera desde a prisão de
seu chefe e a primeira edição do Mein Kampf. Uma ‘versão light’ do Nacional
Socialismo foi apresentada aos eleitores, alianças com a burguesia tradicional,
industriais e banqueiros foi formada. A maioria dos que tinham medo, perdeu.
Na
última eleição para Presidente, em Março de 1932, Hitler concorreu com o
Marechal Hindenburg ficando em 2o lugar com 30.1% dos votos no primeiro turno;
no segundo perdeu com 36.8%, tendo Hindenburg sido re-eleito. Mas nas eleições
parlamentares de 31 de julho do mesmo ano o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores
Alemães conseguiu 230 cadeiras no Reichstag tornando-se a maior representação
com quase 38% de um Parlamento de 608 cadeiras, ganhando o direito de eleger
seu Presidente, ninguém menos que Hermann Goering.
É neste
ponto das revoluções nihilistas que os eleitores que ingenuamente votaram no
partido revolucionário, podem começar a vislumbrar o que de fato ocorreu.
Diferentemente dos partidos clássicos, que aceitam as regras do jogo e
pretendem governar durante o período constitucional e se submeter a novo
sufrágio, o partido revolucionário, ao chegar ao poder, começa a dar os
primeiros passos para se perpetuar. Geralmente, aproveitando a onda de desejo
de mudanças profundas que os levou lá, induzem a população a crer que o período
constitucional, seja qual for, é pequeno para implantar todas as medidas
desejadas pelo povo e que é no interesse deste que algumas modificações
institucionais e constitucionais devem ser adotadas. Na verdade, o Líder e a
cúpula do partido já sabiam há muito que esta era a finalidade de aceitarem se
submeter ao que consideram ‘farsa eleitoral’.
Os
outros partidos que formaram a aliança eleitoral devem ser descartados
rapidamente, pois este primeiro governo é visto apenas como um governo de
transição. As palavras de Goebbels, em abril de 1933, são eloqüentes: “Devemos
nos dissociar o mais rápido possível deste gabinete burguês de transição”.
Um dos
passos mais importantes é manter o País num stress contínuo, criando e
estimulando crises, reais ou fictícias, impedindo com isto a população de
‘parar para pensar’ racionalmente, e aumentar a pressão no sentido da ação, do
aprofundamento do nihilismo. Criar continuamente novos inimigos, internos ou
externos, os que se adequarem mais à ocasião: classes sociais, raças, países estrangeiros,
capital especulativo que sufoca a economia nacional, e, principalmente, os
aliados do governo de “transição” e o próprio Parlamento do qual supostamente
aceitaram participar. Dir-se-á ao povo que o governo não pode ficar refém de um
Parlamento corrupto, mas sim recorrer às forças vivas da Nação. Algumas vezes,
como ocorreu na Alemanha, medidas mais drásticas devem ser tomadas. Ao invés de
simplesmente fecharem o Reichstag, o que dificilmente seria aceito pelo povo,
tocaram fogo no prédio e culparam a oposição! De quebra, justificaram, assim, o
aumento da repressão aos “inimigos do povo e do Reich alemão”.
É importante, ainda, a aliança
diplomática com outros Estados aliados contra as democracias, principalmente
com aqueles cujo Líder é um dos ídolos do Líder da revolução. Hitler venerava
Mussolini, que havia tomado o poder 11 anos antes. A admiração inabalável levou
o Führer a apoiar o Duce até o trágico final deste, mandando até mesmo um
comando especial das SS (Schutzstaffel ) para liberta-lo da prisão.
Talvez a mais importante de todas
as tarefas seja a de criar uma polícia política e um serviço de censura que
impeça a livre divulgação de idéias. Hoje, com a Internet, ficou mais difícil,
mas não impossível. Refiro-me aqui a
algo que poderia ser chamado de Polícia do Pensamento, antes de tudo algo que o
povo aceite como inexorável, como a famigerada OVRA (Oranizazzione Vigilanza i
Repressione all’Antifascismo), imitada na Alemanha pela GESTAPO (Geheime Staats
Polizei, Polícia Secreta do Estado) ou como na Cuba atual, a G2 e seus Comandos
de Defensa de la Revolución.
O
eterno retorno
“Mesmo
as Sociedades primitivas, que já conhecem alguma forma de história, se obstinam
em não a levar em conta”— Mircea Eliade
Este
artigo não pretende mais do que ser um brevíssimo estudo de caso, alguns
aspectos da ascensão do Nacional Socialismo na Alemanha da ultraliberal
República de Weimar, fundada após a derrocada do Império Germânico com a
derrota na Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, porém, contém uma
advertência contra a possibilidade de ocorrerem outras revoluções nihilistas em
outros lugares e tempos, pois não é dado à Humanidade aprender com a
experiência e evitar catástrofes idênticas às anteriores. Ao simplismo de Marx,
de que a história se repete, primeiro como tragédia, depois como comédia,
prefiro a abordagem mais complexa e erudita de Mircea Eliade, do Mito do Eterno
Retorno, no livro homônimo. Mesmo
porque, no caso em apreço, houve o inverso: de uma trágica comédia, de uma
pantomima, com um Duce ridículo e falastrão, no Stato Fascista Italiano,
seguiu-se o trágico Terceiro Reich com um Führer nada risível, tragédia em
estado puro!
No
final, não aconteceu a apoteose de Parsifal, a entrada do herói na Irmandade do
Santo Graal e com o mágico aparecimento do mesmo, mas sim, o Grand Finale dos
Nibelungen, o Götterdämerung, o Crepúsculo dos Deuses, no qual Wotan, põe fogo
no Valhala, com Hitler incendiando a Alemanha.
Heitor
De Paola
Heitor
De Paola é escritor e comentarista político, membro da International
Psychoanalytical Association e Clinical Consultant, Boyer House Foundation,
Berkeley, Califórnia, e Membro do Board of Directors da Drug Watch
International. Possui trabalhos publicados no Brasil e exterior. É ex-militante
da organização comunista clandestina, Ação Popular (AP).
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