9ª.Parte História da escravidão - Exploração do
trabalho escravo na África
Érica Turci.
Desde milênios, em todos os cantos do mundo, a
escravidão foi uma prática comum e aceita por diversos povos. Somente a partir
do século XIX é que o comércio de pessoas passou a ser criticado, e em muitas
regiões foi abolido (pelo menos legalmente). Hoje em dia, apesar da existência
de milhões de indivíduos ainda trabalhando como escravos, tal situação é
considerada um crime pela comunidade internacional.
Mas o que é ser um escravo? Segundo o Dicionário
Eletrônico Houaiss, em sua primeira acepção, escravo é "quem ou aquele
que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um senhor, a
quem pertence como propriedade".
Um indivíduo pode se transformar em escravo de
diversas maneiras:
por ser um prisioneiro de guerra;
por contrair uma dívida, que seria paga com seu
trabalho (por um tempo determinado ou pela vida toda);
por ter cometido um crime e sendo, portanto, punido
com a escravidão;
por se oferecer como escravo em troca de alimento
ou bens para a salvação de sua família ou comunidade em grande dificuldade;
por pertencer a povos inimigos ou ser considerado
culturalmente inferior.
Dessa forma, o escravo, sendo uma propriedade, pode
ser vendido, emprestado, alugado e até morto, segundo as necessidades do seu
senhor.
A escravidão foi praticada por diversos povos
durante toda a história, de modos diferentes e específicos. Em algumas
civilizações, como no Egito Antigo, por exemplo, o escravo não era a base da
produção, sendo o camponês livre obrigado a prestar serviços ao Estado na forma
de corveia (trabalho temporário sem remuneração). Aos escravos cabia o trabalho
doméstico e militar.
Ao contrário, na Roma Antiga, toda produção das
grandes fazendas, todo serviço nas obras públicas (incluindo as diversões nas
arenas de gladiadores) recaía sobre a massa de escravos e por isso chamamos a
civilização romana de civilização escravista.
Em vários haréns, no Oriente, as concubinas do
grande sultão, xeque ou xá, eram escravas e muitas delas eram negociadas ou
capturadas na região do Cáucaso (entre a Rússia e o Oriente Médio).Portanto,
nem sempre a escravidão foi baseada numa diferença étnica: às vezes um parente
distante precisava de ajuda e se submetia a uma escravidão temporária. Ou seja,
quando queremos refletir sobre a escravidão, precisamos compreender como ela se
desenvolveu para aquele povo específico que estamos estudando.
A escravidão entre os povos africanos
A escravidão existiu na Ásia, na Europa, nas
Américas e na África. Muitos dos povos africanos utilizavam escravos para os
mais diversos fins, e como cada povo africano tem sua própria organização
política, econômica e social, a escravidão na África se desenvolveu de muitas
formas.
De uma maneira geral, partindo da história de
grande parte desses povos, podemos dizer que existia na África uma escravidão
doméstica, e não uma escravidão mercantil, ou seja, entre vários povos
africanos, o escravo não era uma mercadoria, mas sim um braço a mais na colheita,
na pecuária, na mineração e na caça; um guerreiro a mais nas campanhas
militares.
Esses povos africanos preferiam as mulheres como
escravas, já que eram elas as responsáveis pela agricultura e poderiam gerar
novos membros para a comunidade. E muitas das crianças nascidas de mães
escravas eram consideradas livres pela comunidade. A grande maioria dos povos
africanos eram matrilineares, ou seja, se organizavam a partir da ascendência
materna, partindo da mãe a transmissão de nome e privilégios. Dessa forma, uma
mãe escrava poderia se tornar líder política em sua sociedade, por ter gerado o
herdeiro à chefia local.
Além disso, um escravo que fosse fiel ao seu senhor
poderia ocupar um cargo de prestigio local, inclusive possuindo escravos seus.
Assim, nem sempre ser escravo era uma condição de humilhação e desrespeito.
Mesmo representando uma submissão, tratava-se de uma situação que muitas vezes
era a mesma que a de outras pessoas livres.
Os árabes e o tráfico de escravos africanos
Ao lado da escravidão doméstica também existia o
comércio de escravos. Algumas sociedades africanas viviam da guerra para a
captura de pessoas para serem vendidas a outros povos que necessitavam de
escravos. Como na África existiam várias etnias, vários grupos políticos diferentes
(os africanos não eram um único povo), as guerras entre eles eram muito
frequentes, e uma consequência disso era escravização dos vencidos, que podiam
ser vendidos, segundo a necessidade do vencedor.
O comércio de pessoas se intensificou no século VII,
quando os árabes conquistaram o Magreb e o leste africano. Os árabes eram
grandes mercadores de escravos, e conseguiam suas mercadorias humanas em
diversas regiões: Espanha, Rússia, Oriente Médio, Índia e África. Os escravos
comprados nessas regiões eram vendidos principalmente na península Arábica, mas
também podiam ser vendidos em regiões mais distantes, como na China.
Com o aumento da demanda por escravos nos portos
africanos controlados pelos árabes, aumentou também o número de povos africanos
que passaram a viver (e sobreviver) da captura de inimigos ou de grupos mais
fracos, para vendê-los. Acredita-se que entre os séculos VII e XIX, em torno de
5 milhões de africanos tenham sido comprados na África pelos árabes.
Nesse processo, muitas tribos, cidades, reinos
africanos se fortaleceram, pois controlavam as rotas de comércio de escravos. E
quanto mais fortes e ricos se tornavam, mais tinham condições de oferecer mais
mão de obra escrava para os árabes. Foi o caso do Reino de Mali, Reino de Gana,
as cidades iorubas, o Reino do Congo e as cidades suaílis, e várias outras.
Os portugueses e o tráfico de escravos africanos
Apesar de o comércio de escravos já ser praticado
na África, foi com a chegada dos portugueses nesse continente que o tráfico
escravista se configurou na maior migração forçada de povos da história. Os
pesquisadores apresentam números diferentes, que vão de 8 milhões até 100
milhões de pessoas obrigadas a deixar a sua terra natal, atravessar o oceano
Atlântico para ser escravo em regiões distantes.
Quando os portugueses chegaram a Ceuta, no início
do século XV, iniciaram a captura e escravização dos africanos das redondezas,
com a justificativa de que eram prisioneiros de guerra e muçulmanos,
considerados inimigos da fé católica europeia.
A partir de então, em pleno processo de Expansão
Marítima, os portugueses avançaram em direção ao sul, na costa atlântica da
África, em busca de riquezas para serem comercializadas e foram descobrindo o
comércio de escravos. Num primeiro momento, o comércio de gente não interessou
aos navegadores portugueses, já que a Europa não tinha necessidade de mão de
obra escrava.
Quanto mais os portugueses avançavam na costa
africana, mais sentiam a necessidade de se estabelecer em alguns pontos de
comércio, para consolidar sua exclusividade na região. Em 1455 os portugueses
construíram sua primeira feitoria na África: o forte de Arguim (na região da
Senegâmbia, atualmente Mauritânia). Para manter essa feitoria, os portugueses
passaram a utilizar escravos africanos e a comercializá-los.
Muitos portugueses tentavam capturar os africanos,
mas em pouco tempo perceberam que era mais lucrativo entrar nas redes de
comércio de escravos já existentes, e por isso começaram a buscar essa
mercadoria junto aos povos do litoral. Um dos primeiros povos aliados dos
portugueses no tráfico de escravos foram os jalofos, na Senegâmbia. Em troca de
escravos, os jalofos conseguiam cavalos dos portugueses (um cavalo era trocado
por 15 ou 20 escravos) e armas de fogo, o que aumentava o seu poder de guerra e
de conquista de mais escravos.
Com o início da colonização das ilhas de Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe (na segunda metade do século XV), a necessidade de
mão de obra aumentou, e a compra de escravos foi a solução encontrada pela Coroa
portuguesa. Por essa mesma época, os portugueses chegaram à Costa da Guiné
(atualmente desde a Guiné até a Nigéria), onde encontraram povos ricos que já
negociavam com os árabes e puderam comercializar ouro, especiarias e escravos.
Tamanha era a riqueza da região que os portugueses passaram a chamá-la de Costa
do Ouro, Costa da Mina e Costa dos Escravos.
Em 1482, o navegador português Diogo Cão chegou até
ao Reino do Congo e conseguiu fazer alianças com o manicongo ("senhor do
Congo") Nzinga Kuvu. Nessas alianças existiam interesses mútuos: os
portugueses queriam ter maior acesso às redes de comércio da África, e o
manicongo pretendia obter as técnicas de guerra e de navegação dos portugueses.
Inclusive o manicongo se converteu à religião católica, passando a se chamar
dom João.
Por quatro séculos, a maior fonte de escravos do
tráfico atlântico português se deu a partir do Reino do Congo e do reino
vizinho, Andongo, chamado pelos portugueses de Angola. Isso ocorreu
principalmente quando os portugueses conseguiram o direito de negociar mão de
obra para exploração espanhola da América (o direito de Asiento) e passaram a
precisar de mão de obra para desenvolver sua própria colônia americana: o
Brasil.
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