4-Anjos no Novo Testamento
Rev.
Augustus Nicodemus Lopes
A
crença em anjos no Novo Testamento
Os
cristãos não eram o único grupo do primeiro século que acreditava na existência
de anjos. A maioria das seitas do judaísmo, berço do cristianismo, professava a crença nesses mensageiros celestes, á exceção provável dos saduceus (At
23.8). O interesse dos judeus por anjos havia crescido de forma notável durante
o período intertestamentario, quando o segundo templo foi construído, após o
retorno do cativeiro babilônico. É provável que esse aumento de interesse pelos
anjos tenha ocorrido como resultado da ênfase nesse período á idéia de que Deus
havia se distanciado do seu povo, já que não havia mais profetas. A ausência de
profetas, os mensageiros oficiais de Deus ao seu povo, provocava a necessidade
de outros mediadores da vontade divina. Os anjos vieram ocupar esse espaço no
judaísmo do segundo templo. O aumento do interesse pelo mundo celestial e pelos
seus habitantes, os anjos, nota-se nos escritos judaicos produzidos antes ou
logo após o nascimento do cristianismo. Exemplos desta tendência se percebem em
alguns livros apócrifos (4 Esdras 2.44-48; Tobias 6.3-15; 2 Macabeus 11.6). O
mesmo se vê em alguns dos escritos dos sectários do Mar Morto achados nas
cavernas do Wadi Qumran, como o rolo da Batalha entre os Filhos das Trevas e os
Filhos da Luz. Alguns dos escritos produzidos pelo movimento apocalíptico
dentro do judaísmo, mais que os escritos de outros movimentos, enfatizava o
ministério dos anjos (1 Enoque 6. 1 ss; 9. 1 ss), o interesse pelos anjos se
nota até mesmo nos escritos rabínicos datados a partir do século III (com
exceção do Mishnah), e que possivelmente representam a linha principal do
judaísmo no período do segundo templo. Fora das fronteiras do judaísmo, a
crença em anjos, encontrava-se não somente nas religiões que fervilhavam no
mundo greco-romano, mergulhado no misticismo helênico, como também nas obras
dos filósofos e escritores gregos famosos, como Sófocles, Homero, Xenofonte,
Epicteto e Platão. A biblioteca de Nag Hammadi, descoberta em nosso século
(1945) nas areias quentes do deserto egípcio, apresenta material gnóstico
datando do século IV, com uma elaborada angelologia, onde a distância entre
Deus e os homens é coberta por trinta "archons", seres
intermediários, possivelmente anjos, que guardam as regiões celestes. Os "Papiros
Mágicos" desta coleção contém fórmulas para atrair os anjos. Embora
datando do século IV, estes escritos possivelmente refletem crenças que já
estavam presentes de forma incipiente no mundo greco-romano desde antes de
Cristo. Em contraste aos escritos produzidos cm sua época, a literatura do Novo
Testamento é bem mais discreta e reservada em seus relatos da atividade
angélica.
As
palavras mais comuns para "anjos" no Novo Testamento
A
palavra mais usada no Novo Testamento para "anjo" é aggelos , que é a
tradução regular na Septuaginta da palavra hebraica Mala'k. Ambas significam
'mensageiro". Aggelos é usada umas poucas vezes no Novo Testamento para
mensageiros humanos, como por exemplo os emissários de João Batista a Jesus
(Lc. 7.24; veja ainda Tg 2.25; Lc 9.52). Na maioria esmagadora das vezes, a
palavra refere-se aos mensageiros de Deus, que povoam o mundo celeste e
assistem em sua presença. Aggelos é usada tanto para anjos de Deus quanto para
os anjos maus. Existe outro termo no Novo Testamento para se referir aos anjos,
o qual só Paulo emprega: "principados e potestades". Em duas ocasiões
é usado em referência aos demônios (Ef 6.12; Cl 2.13) e em três outras aos
anjos de Deus (Ef 3.10; Cl 1.16; 1 Pe 3.22). Em todos os casos, refere-se ao
poder e á hierarquia que existe entre esses espíritos. Uma outra palavra usada
no Novo Testamento para anjos e pneuma , geralmente no plural ( pneumata ), que
se traduz por espíritos". Embora o termo seja empregado geralmente para os
anjos maus e decaídos (quase sempre qualificado pelo adjetivo
"imundo", cf. Mt 12.43; Lc 4.36; At 8.7), é usado pelo menos uma vez
para os anjos de Deus, como sendo "espíritos administradores" (Hb 1.
14). Alguns estudiosos têm sugerido que "espíritos" também se refere
a anjos em outras passagens onde a palavra pneumata aparece, como por exemplo 1
Co 14.12. Neste versículo o apóstolo Paulo aprova e incentiva o desejo dos
membros da igreja por pneumata , expressão quase que universalmente traduzida
como "dons espirituais", devido ao contexto. De acordo com E. Earle
Ellis, Paulo, na verdade, não se refere a dons espirituais, mas aos anjos que
estavam presentes aos cultos (1 Co 11. 10). Sua tese é que existe uma relação
estreita entre as manifestações sobrenaturais que estavam acontecendo na igreja
de Corinto e o ministério angélico. Tais manifestações, ou parte delas, não
eram produzidas pelo Espírito Santo, e nem também por espíritos malignos, mas
por estes espíritos bons. Outras passagens onde "espíritos" significa
"anjos", segundo Ellis, são 1 Co 14.32; 1 Jo 4.1-3; Ap 22.6.1 [1]
Embora esta sugestão seja interessante e provocativa, fica difícil ver como
"espíritos" produtores de dons espirituais se encaixam no contexto de
1 Co 14.12 e no ensino de Paulo de que os dons são dados pelo Espírito Santo. O
uso de pneumata em 1 Co 14.12 (bem como nas demais passagens mencionadas acima)
pode ser explicado á luz de 1 Co 12.7, onde Paulo afirma que há diferentes
manifestações do Espírito Santo. Ou seja, o mesmo Espírito manifesta-se de
formas diferentes através de pessoas diferentes. Paulo refere-se a estas
manifestações como “espíritos". Elas eqüivalem aos dons espirituais. E
difícil admitir que Paulo aprovaria um desejo dos crentes de Corinto de buscar
estas entidades celestiais.
Anjos
através dos livros do Novo Testamento
A
presença e a atividade de anjos registrados nos evangelhos sinópticos (Mateus,
Marcos e Lucas) indicam invariavelmente a intervenção direta de Deus. Como
mensageiros fiéis de Deus, que têm acesso a presença divina (Lc 1. 19; cf 12.8;
Mt 10.32; Lc 15.10), a visita ou a intervenção de um deles eqüivale a uma
manifestação divina. A encarnação e o nascimento de Jesus foram marcados pela
presença de anjos, indicando a participação direta de Deus no nascimento do
Messias (Mt 1.20; 2.13,19; Lc 1 . 11; 1.2638). Embora os evangelhos não
registrem quase nenhuma participação direta dos anjos assistindo a Jesus em seu
ministério (o que poderia ter ocorrido, se Jesus quisesse, Mt 26.52), os anjos
acompanharam o Senhor e se rejubilaram a medida em que pecadores se arrependiam
(Lc 15.10). As poucas vezes em que se manifestaram visivelmente tinham como
propósito demonstrar que Ele era amado e aprovado por Deus (Mt 4.11; Lc 2143).
Os anjos ainda participaram da sua ressurreição, da anunciação ás mulheres, e da
anunciação aos discípulos de que Jesus havia de voltar (Mt 28.2-5; At 1.9-11).
E o próprio Jesus também mencionou varias vezes que os anjos participariam) da
sua segunda vinda e do Juízo final (Mt 13.4 1; 16.27; 24.3 l). Embora nos
evangelhos a atividade dos anjos praticamente se concentre em tomo da pessoa de
Jesus, ele mesmo menciona uma atividade deles relacionada aos homens,
"cuidado para não desprezarem nenhum destes pequeninos. Eu afirmo que os
anjos deles estão sempre na presença do meu Pai que está no céu" (Mt 18.
10, NVI). Aqui Jesus fala do cuidado vigilante de Deus pelos "pequeninos
', através dos anjos. A quem Jesus se refere por pequeninos" tem sido
debatido pelos estudiosos, já que o termo pode ser tomado literalmente (crianças)
ou figuradamente (os discípulos). Talvez a última possibilidade deva ser a
preferida, já que Jesus usa regularmente pequeninos" para se referir aos
discípulos, cf Mt 10.42; 18.6; Mc 9.42; Lc 17.2. Qualquer que seja a
interpretação, a passagem não está ensinando que cada crente ou criança tem seu
próprio "anjo da guarda", como era crido popularmente entre os judeus
na época da igreja primitiva. Fazia parte desta crença que o anjo
guardião" poderia tomar a forma do seu protegido (cf. At 12.15). Jesus está
ensinando nesta passagem que Deus envia seus anjos para assistir aos
“pequeninos", e que, portanto, nós não devemos desprezar estes
"pequeninos". Esse ministério angélico para com os “pequeninos"
faz parte do cuidado geral que os anjos desempenham, pelo povo de Deus (cf. SI
9 1.11; Hb 1. 14; Lc 16.22). A passagem, portanto, não deve ser tomada como
suporte á crença popular em “anjos da guarda". E importante notar que o
Evangelho de João faz pouquíssimas referências á atividade dos anjos, embora,
segundo João, Jesus tenha dito aos seus discípulos, no início do seu
ministério, que eles veriam, os anjos subindo e descendo sobre si (Jo 1. 5 1 ).
Possivelmente esta passagem não deva ser entendida literalmente no que se
refere aos anjos, mas apenas como uma alusão ao sonho de Jacó (Gn 28.12) e ao
seu cumprimento na pessoa de Cristo (unindo o céu á terra). No relato de João
das boas novas, os anjos só revelam a sua presença ao lado da sepultura de
Jesus (Jo 20.12) . [2] Estes fatos indicam que as aparições angélicas durante o
período cm que Jesus esteve presente fisicamente entre nós foram relativamente
poucas, e quase todas associadas com o seu nascimento, ministério, morte e
ressurreição. Era conveniente que a vinda do Filho de Deus ao mundo fosse
marcada por esta atividade angélica especial. Apesar de a narrativa do livro de
Atos abranger um período marcado por intensa manifestação sobrenatural, que foi
o nascimento da igreja cristã, as aparições angélicas registradas pelo autor
são relativamente poucas. Não há aparição de anjos em grupos, á exceção dos
dois homens em vestes resplandecentes no local da ascensão (At 1. 10- 11). Nas
intervenções angélicas, é sempre um único anjo que aparece, o qual é chamado de
"um anjo do Senhor" (At 5.19; 8.26; 12.7,15) ou "um anjo de
Deus" (10.3; 27.23). A expressão "anjo do Senhor" não tem. em
Atos a mesma conotação que no Antigo Testamento, onde ás vezes este anjo é
identificado com o próprio Deus. Em Atos a expressão sempre designa um
mensageiro angelical. Os anjos aparecem em Atos com a mesma função principal,
que no Antigo Testamento e nos Evangelhos, ou seja, trazer uma mensagem oficial
da parte de Deus (At 5.19;10 - 10.22; 27.23). A isto se acresce a função
protetora, pois por duas vezes um anjo do Senhor libertou apóstolos da prisão
(At 5.19; 12.7). Uma outra missão de um anjo foi punir o rei Herodes (At 12.23)
missão esta já mencionada no Antigo Testamento (cf Ex 12.13; 2 Sm 24.17) A
atividade dos anjos em Atos, além de bastante discreta, é voltada quase que
exclusivamente para o progresso do Evangelho. Um ponto de grande relevância
para nos hoje é que ela se concentra, em torno dos apóstolos (At 5.19; 12.7
27.23) ou dos seus associados, como Filipe (8.26). A única exceção foi a
aparição á Cornélio (At 10,3). Mesmo assim ocorreu una ponto crucial do
nascimento da Igreja Cristã, que foi a inclusão do gentios na Igreja. Á exceção
deste caso não há registro de aparições de anjos ao crentes em geral, nem para
lhes trazer mensagens de Deus, nem para protege-los, embora certamente eles
estivessem ocupados em desempenhar esta última; função, provavelmente de forma
não perceptível aos crentes. O apóstolo Paulo é bastante ponderado no que
escreve sobre os anjos, se com parado com outros autores religiosos não
cristãos da sua época. Ele emprega a palavra aggelos apenas catorze vezes em
suas treze cartas. Ele se refere aos anjos de Deus, não tanto como mensageiro:
celestes ou protetores dos crentes, mas como participantes do progresso do
plano de Deus neste mundo, que participaram da entrega da Lei no Sinai (G1
3.19) e que virão com Cristo para executar juízo sobre a humanidade (2 Ts 1.7).
Estes são os "anjos eleitos", que assistem diante de Deus (I Tm 5.2
1; cf. Gl 4.14). Uma possível explicação para a atitude reservada de Paulo é
que, para ele, o Senhor Jesus, é a manifestação suprema de Deus, que suplanta
todas as demais, diante das quais as manifestações angélicas perdem em
importância e relevância (Ef 1.21; Cl 1. 16; cf. Hb 1. 1-2). Em nenhum momento
Paulo menciona em suas cartas encontros angélicos que porventura teve, nem
encoraja os crentes a buscar tais encontros. Some-se a isso a preocupação que
demonstra em suas cartas com aparições e visões de anjos.O apóstolo teme que
anjos caídos, passando-se por anjos de Deus, manifestem-se em visões com o alvo
de enganar os crentes. Ele menciona a possibilidade de que um anjo do céu venha
pregar outro evangelho (G1 1. S), e que Satanás apareça dissimulado de
"anjo de luz" (2 Co 11.14). Ele alerta aos crentes de Colossos a que
não se deixem arrastar para o culto aos anjos propagado pelos líderes da
heresia que ameaçava a igreja, e que se baseava cm visões (C1 2.18). Uma
passagem surpreendente sobre anjos é Gl 3.19, em que Paulo diz que a Lei de
Deus foi entregue ao povo de Israel por meio de anjos. Esse fato no é
mencionado na narrativa da entrega da Lei a Moisés no livro de Êxodo. Sua
veracidade foi aceita possivelmente durante o período do segundo templo, quando
os anjos receberam cada vez mais lugar destacado na teologia do judaísmo,. ao
ponto de serem. reconhecidos como mediadores no Sinai, na hora da entrega da
Lei a Moisés por Deus. O fato foi aceito como verídico por judeus cristãos como
Estêvão (At 7.53), o autor de Hebreus (Hb 2.2), e por Paulo. Só que, enquanto
que para os judeus da sua época, a presença de anjos no Sinai era algo que
exaltava a glória da Lei, para Paulo, a presença destas criaturas era apenas um
sinal da inferioridade da Lei em comparação ao Evangelho, que havia sido
trazido pelo próprio Filho de Deus, sem mediação de criaturas. Uma outra
passagem difícil de entender nas cartas de Paulo é a enigmática expressão de 1
Co 11. 10. “Por esta razão, e por causa dos anjos, a mulher deve ter sobre a
cabeça um sinal de autoridade”. O que tem os anjos, a ver com o uso do véu nas
igrejas de Corinto? A resposta está ligada a um aspecto da situação histórica
específica da Igreja de Corinto no século I, que nós desconhecemos. Havia uma
idéia estranha na época de Paulo de que Gn 6.1-2 se referia a anjos que se
deixaram atrair pelos encantos femininos (uma tradição rabínica acrescenta que
foram os longos cabelos das mulheres que tentaram os anjos), A falta de decoro
e propriedade por parte das mulheres na igreja de Corinto poderia novamente
provocá-los. O mais provável é que Paulo se refira a outro conceito corrente
que os anjos bons eram guardiões do culto divino, o que exigiria decoro e
propriedade por parte de todos os adoradores. Este conceito se encaixa
perfeitamente no ensino do Novo Testamento de que os anjos observam e
acompanham o desenvolvimento do evangelho no mundo (ver Ef 3. 10, 1 Tm 5.12; 1
Pe 1. 12; Hb 1. 14). Não há menção de anjos cm Tiago, e nem nas três cartas de
João. Pedro menciona apenas que os anjos anelam compreender os mistérios do
Evangelho (1Pe 1. 12), e que estão subordinados a Cristo (3,22). Em Judas
encontramos mais uma referência enigmática aos anjos, desta feita cm relação ao
confronto do arcanjo Miguel com Satanás, em disputa pelo corpo de Moisés (Jd
9). Esse incidente não é narrado no Antigo Testamento, mas aparece num livro apócrifo
que era bastante popular entre os judeus chamado A Ascensão de Moisés . Neste
livro o autor narra que, após a morte de Moisés, sozinho no monte, Deus
encarregou o arcanjo Miguel de dar-lhe sepultura. O diabo veio disputar o
corpo, alegando que Moisés era um assassino (havia matado o egípcio), e que,
portanto, seu corpo lhe pertencia. De acordo com a Ascensão , Miguel limitou-se
a dizer que o Senhor repreendesse os intentos malignos de Satanás. Embora
narrado num livro apócrifo, o incidente deve ter ocorrido, e Deus permitiu que,
através de Judas, viesse a alcançar lugar no cânon do Novo Testamento. A carta
aos Hebreus menciona os anjos nada menos que 13 vezes, 11 das quais nos dois
primeiros capítulos, onde o autor procura estabelecer a superioridade de Cristo
sobre os anjos (Hb 1.4-7,13; 2.2,15,16). A razão para esta abordagem foi
possivelmente a exaltação dos anjos por parte de muitos judeus no século I. O
autor, escrevendo a judeus cristãos sentiu a necessidade de diferenciar a
mensagem do evangelho trazida por Cristo, e as muitas mensagens e mensageiros
angelicais que infestavam a crendice popular judaica no século I. E no livro de
Apocalipse que temos a maior concentração no Novo Testamento do ensino sobre
anjos. É o livro do Novo Testamento que mais emprega a palavra aggelos (67
vezes). Aqui os anjos aparecem como agentes celestes que executam os propósitos
de Deus no mundo, como proteger os servos de Deus (Ap 7.1-3) e administrar os
juízos divinos sobre a humanidade incrédula e impenitente (Ap 8.2; 15.1; 16.1).
Apocalipse está cheio das visões que o apóstolo João teve do céu, e os anjos
aparecem como habitantes das regiões celestes, ao redor do trono divino, em
reverente adoração a Deus e ao Cordeiro (Ap 5.11; 7.11), mediando ao apóstolo
João as visões e as instruções divinas (Ap 1.1). Uma questão que tem atraído o
interesse dos intérpretes é o sentido da palavra "anjo" em Ap 1.20,
"os anjos das sete igrejas" (cf. Ap 2.1,8,12,18; 3,1,7,14).Alguns
acham que João se refere aos pastores das igrejas às quais endereça suas
cartas, já que em Malaquias os líderes religiosos são chamados de anjos (MI
2.7). Ou então, aos mensageiros ( aggelos ) das igrejas que haveriam de levar
as cartas às suas comunidades. O problema com estas interpretações é que a palavra
aggelos em Apocalipse nunca é usada para seres humanos, mas consistentemente
para anjos. Por este motivo, outros, como Origenes no século II, acham que João
se refere a anjos reais, já que este é o uso regular que ele faz da palavra no
livro. Estes anjos seriam os anjos de guarda de cada igreja a quem João manda
uma carta. A dificuldade óbvia com esta interpretação é que as advertências e
repreensões das cartas seriam dirigidas a anjos, e não aos membros da igreja.
Além do mais, fica claro pelo fim de cada carta que elas foram endereçadas aos
membros das igrejas (2.7,11,17 etc). Assim, outros estudiosos têm sugerido que
"anjos" representam o estado real de cada igreja, o
"espírito" da comunidade. Esta idéia, que no deixa de ser curiosa e
estranha, tem sido adotada por alguns que defendem que igrejas têm suas
próprias entidades espirituais malignas, que se alimentam dos pecados não
tratados das mesmas [3] . Fica difícil tomar uma decisão. Mas, já que é
evidente que os anjos e as igrejas são uma mesma coisa nestas passagens, a
interpretação que talvez traga menos dificuldades é que aggelos (anjos) se
refere aos pastores das igrejas.
Anjos
em batalha espiritual
Outra
passagem cm Apocalipse que merece destaque é a que descreve uma batalha no céu
entre Miguel e seus anjos, contra o dragão e seus anjos, onde Satanás é
derrotado e lançado á terra (Ap 12.7-9). A que evento histórico esta guerra
celestial corresponde tem sido bastante discutido. Para alguns, refere-se á
queda de Satanás no principio, quando revoltou-se contra Deus e foi expulso dos
céus. Para outros, a vitória final de Cristo, ainda por ocorrer no fim dos
tempos. O contexto, entretanto, parece favorecer outra interpretação, ou seja,
que esta derrota de Satanás nas regiões celestiais corresponde à vitória de
Cristo, ao morrer e ressuscitar, já que ela aconteceu, “por causa do sangue do
cordeiro" (Ap 12. 10; cf. Jo 12.3 1; 16.1 l).À semelhança do Antigo
Testamento, o Novo é igualmente reservado em narrar estas pelejas celestiais, e
limita-se a registrar dois confrontos do arcanjo Miguel com Satanás (Jd 9; Ap
12.7-9). Não temos condições de saber quais as razões para estes embates entre
anjos, e nem quão frequentemente eles ocorrem no misterioso mundo celestial.
Digno de nota é o fato que Miguel, que no Antigo Testamento aparece como
guardião de Israel, surge aqui em Ap 12.7-9 como defensor da Igreja, liderando
as hostes angélicas contra Satanás e seus demônios, que procuram destruir a
obra de Deus. Sua área de ação não e mais o território de Israel, mas o mundo,
onde quer que a Igreja esteja. A constatação deste fato deveria moderar a
fascinação de muitos hoje pela idéia de espíritos territoriais, maus ou bons,
que seriam supostamente responsáveis por determinadas regiões geográficas, e
que se embatem em busca da supremacia sobre aqueles locais. É possível que as
nações ou outras regiões tenham seus príncipes angélicos, bons ou maus, mas
esta idéia não exerce qualquer função ou influência no ensino do Novo
Testamento, quanto aos anjos e á sua participação na luta da igreja contra os
"principados e potestades, contra os dominadores deste mundo
tenebroso" (Ef 6.12). Enquanto que em Daniel os principados e as
potestades aparecem relacionados com determinados territórios, no Novo
Testamento eles aparecem não mais relacionados com regiões, mas com este mundo
tenebroso. O conflito regionalizado do Antigo Testamento tomou caráter
universal e cósmico com a vitória de Cristo. O diabo e seus príncipes malignos
são vistos agora como dominadores, não de determinadas regiões geográficas, mas
"deste mundo tenebroso". E os anjos agora servem aos servos de Deus,
em qualquer região geográfica do planeta, onde se encontrem. [1] Ver E. Earle Ellis, Spiritual GIffs in the Pauline Community, em New
Testment Studies 20 (1973-1974) 134. [2]
Existe séria dúvida da parte de muitos especialistas em manuscritologia bíblica
de que a passagem de João 5,4, que menciona a decida de um anjo para movera
água da piscina de Betesda, seja de fato autêntica, visto que não aparece nos
manuscritos mais antigos importantes.
[3] Neuza ltioka, por exemplo, afirma que os anjos das cartas de Apocalipse (Ap 2-3 são anjos literais que Incorporam e absorvem o estado espiritual da Igreja, e que alguns deles são substituídos por demônios, devido á decadência espiritual da comunidade que representam. Ela baseia-se nas sugestões (sem exegese) de Walter Wink e R. Linthicum em Ap 2:3
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