Anderson C. Sandes, arte de criticar obras: aprenda
com Machado de Assis
Machado de Assis publicou, em 1865, um texto
chamado O Ideal do Crítico, no Diário do Rio de Janeiro [baixe o texto aqui].
Em tal texto Machado ensina as grandes virtudes que um crítico deve ter, a fim
de ajudar na renovação das letras nacionais, consolidar e corrigir os bons
artistas e animar os iniciados nas artes poéticas. O que um crítico deve
evitar, segundo Machado:
— A camaradagem e a adulação, que privilegiam os
mais próximos e gera injustiça.
Isso podemos ver bem descrito na obra do Honoré de
Balzac, Ilusões Perdidas, onde críticos literários sabem que podem alavancar a
carreira de um escritor, ou destruí-la. Por isso, muitos têm escritores
bajuladores em seu entorno, para ganhar seus favores. Dessas injustiças surgem
grandes porcarias literárias, aclamadas pelos críticos, editores e imprensa,
fruto de fingimento, de mentira, de engano, como já comentava Arthur
Schopenhauer em “Sobre a leitura e os livros”, na obra A Arte de Escrever [leia
aqui a minha resenha da obra]:
“Nove décimos de toda a nossa literatura atual não
têm nenhum outro objetivo a não ser tirar alguns trocados do bolso do público:
para isso, o autor, o editor e o crítico literário compactuam.”
— O ódio e o favoritismo por escolas literárias e
estilos, que tornam a crítica parcial.
Todos temos nossas correntes de pensamento,
teológicas, políticas e literárias de preferência, mas precisamos suspender
tais favoritismo para sermos justos em nossas críticas.
— A incoerência e influências externas, como
modismos, que tornam o crítico contraditório, fazendo com que perca a
autoridade.
É preciso coerência e consistência nas análises.
Sabemos que é normal mudarmos de opiniões — e até mesmo os gostos — ao longo do
tempo, mas que isso não seja levado por meros modismos.
Resumo das virtudes necessárias para o crítico
ideal:
— Sinceridade e convicção, ainda que isso dificulte
a sua carreira, o crítico deve ser sempre honesto consigo mesmo, sem esperar
por sorrisos alheios.
— Independência e imparcialidade: o crítico precisa
ser livre da própria vaidade e da vaidade dos outros, não permitindo levar-se
por suas paixões.
— Tolerância e urbanidade (cordialidade): a
tolerância corrige e encaminha a consciência do crítico, que deve ser cordial
em suas palavras, para que dirija e influencie da melhor forma. “[…] o crítico
deve ser delicado por excelência”, diz Machado.
— Perseverança e competência: saber a matéria em
que fala, procurar o espírito mais profundo das obras, aprofundar-se nas mesmas
com honestidade.
Machado finaliza o seu texto na confiança de que,
com a renovação da crítica, haveria renovação na arte: “Se esta reforma, que eu
sonho, sem esperanças de uma realização próxima, viesse mudar a situação atual
das coisas, que talentos novos! que novos escritos! que estímulos! que
ambições! A arte tomaria novos aspectos aos olhos dos estreantes […]”
De forma bela, Machado parece se importar muito com
o ânimo e o estímulo aos iniciados nas artes poéticas, bem como no
estabelecimento de boas obras. Ao sabermos julgar bem as obras, ainda que não
de modo profissional, podemos contribuir para uma reforma — quiçá renovação —
da literatura de nossos tempos.
Anderson C. Sandes
Poeta,
cronista, ensaísta. Articulista no PHVox.
Sem comentários:
Enviar um comentário