ChatGPT: o que é e os desafios para o cristão
Tecnologias podem ajudar ao colocar-nos em contato com mais informação.
Mas será que informações ou respostas prontas são tudo o de que precisamos?
Por Tiago Garros e Fernando Pasquini
Se você acompanha as redes sociais ou as notícias
atuais, já deve ter ouvido falar do ChatGPT. Trata-se de um serviço
disponibilizado por uma empresa de tecnologia em inteligência artificial (IA)
chamada OpenAI, que em dois meses de lançamento chegou a 100 milhões de
usuários ativos, tornando-se o serviço da web com maior número de adeptos em
menor tempo.
Mas o que é o ChatGPT? A resposta técnica é que ele “é um modelo de linguagem
de inteligência artificial que foi treinado com grandes quantidades de dados de
texto da internet usando técnicas de machine learning, com o objetivo de ser
capaz de gerar respostas em linguagem natural a perguntas e mensagens de
usuários”. Na prática, o ChatGPT é um serviço em que você cria uma conta, faz
uma pergunta sobre qualquer assunto, e o “robô virtual” oferece uma resposta
plausível e convincente, como um ser humano faria. Por exemplo, a frase
destacada acima foi a resposta para: “O que é o ChatGPT? Responda para leitores
que não conhecem o serviço e não sabem muito a respeito da tecnologia
envolvida”.
As possibilidades são inúmeras, e os
resultados, surpreendentes. É possível
dar instruções detalhadas sobre como você deseja as respostas (“escreva sobre
tal coisa em 500 palavras”, por exemplo), pedir que ele manipule um texto que
você mesmo escreveu (“torne este texto mais sucinto”) ou perguntar diretamente
por fatos e informações. E o “conhecimento” do “robô”, bem, é basicamente a
internet toda, pois ele foi treinado com textos disponíveis online.
Ao ter contato com esse recurso, pessoas das mais diversas profissões que
envolvem escrita e pesquisa de informação ficaram preocupadas. O que será dos
trabalhos escolares, por exemplo? E, claro, cristãos também expressaram suas
preocupações. Se você pedir ao ChatGPT para escrever um sermão sobre “Jesus e a
mulher samaritana” com cinco pontos e uma aplicação pessoal no final, ele fará,
e de modo bastante convincente. (Sim, nós testamos, e ouvimos comentários de
que o resultado foi melhor do que o que muitos pastores por aí fariam.) E aí? É
Deus falando através do ChatGPT? Como saber se meu pastor não usou a
ferramenta, preparando o sermão em cinco minutos, em vez de se debruçar sobre o
texto, orar a Deus e pedir que seja consumido pela Palavra que pregará no
próximo domingo?
Os impactos dessa e de outras
tecnologias de IA serão muitos nos próximos anos, e, em parte, eles são semelhantes às questões ligadas à tecnologia que
buscam automatizar cada vez mais tarefas dos seres humanos. Muito já se
discutiu sobre os impactos da substituição do trabalho humano físico pelas
máquinas durante a Revolução Industrial, e, com o advento da computação, também
houve a automatização de muitas tarefas intelectuais (por exemplo, fazer
contas).
A questão recorrente é se haverá um trabalho tipicamente humano e que nunca
poderá ser reduzido a um procedimento mecânico ou computacional.
A antropologia teológica cristã pode responder que o ser humano é único na
medida em que assume um papel e responde a um chamado dentro da ordem da
criação e da história da redenção.
Somos chamados para refletir a imagem de Deus e glorificá-lo na medida em que
respondemos a ele e ao contexto onde ele nos colocou, que inclui nossa
constituição corporal, nossas comunidades, nossa história. Isso confere a nós
uma originalidade que não pode ser reproduzida por um modelo que apenas espelha
padrões linguísticos a partir de dados obtidos na internet.
E por mais que modelos de IA como ChatGPT se proponham a oferecer resultados de
forma rápida, eficiente e descomplicada, precisamos reconhecer que nem sempre
isso pode ser desejável. É verdade que, em um mundo acelerado, somos
pressionados o tempo todo para ter o máximo de produtividade. Mas, em vez de
simplesmente criar ferramentas para nos ajudar a produzir mais rápido, como faz
o ChatGPT, não seria uma tarefa fundamental da presença cristã no mundo colocar
em questão o próprio ideal de produtividade e eficiência máxima – ideal esse
que o teólogo Jacques Ellul há décadas alertava que poderia se configurar em um
projeto de redenção? Cristãos devem reconhecer que é no engajamento paciente –
ou, poderíamos dizer, sabático – com as coisas que temos contato com a riqueza
da criação e do Criador que ela revela. E isso inclui a produção de textos.
Textos humanos, “artesanais” (se é que podemos já usar esta palavra), ainda
revelam uma riqueza irredutível, que provém do próprio fato de refletirem o
caráter de pessoas reais, situadas em comunidades e histórias reais. Sacrificar
essa riqueza no altar da produtividade é um caminho perigoso a se tomar.
É claro que tecnologias como o ChatGPT podem nos
ajudar bastante ao colocar-nos em contato com mais informação. Mas será que
informações ou respostas prontas são tudo o de que precisamos? Um sermão no domingo é apenas informação ou parte de um relacionamento
com uma comunidade? E será que tudo o de que precisamos são respostas, ou o
conhecimento (incluindo o teológico) não inclui questões para as quais não existem
soluções fáceis, incluindo divergência de opiniões? Na abundância de respostas,
será que teremos sabedoria para fazer as perguntas corretas?
Outra discussão em curso sobre ferramentas de IA é a da sua confiabilidade.
Isto é: caso a ferramenta falhe, quais serão as consequências, e quem será
responsável por isso? No caso do ChatGPT, que se propõe a lidar com o
conhecimento, pode ser que não sejamos capazes de detectar que as informações
passadas sejam falsas, imprecisas ou incertas. Discussões assim já estavam em
curso com relação ao uso de ferramentas de busca ou Wikipedia para fundamentar
trabalhos acadêmicos. Sem a possibilidade de identificar as fontes da
informação como fontes confiáveis, a produção do conhecimento passa a ser algo
dúbio ou mesmo difícil de atribuir responsabilidades.
Estas são questões com que teremos de lidar nos próximos anos. Como disse John
Culkin há algum tempo: “Nós moldamos nossas ferramentas, e nossas ferramentas
nos moldam”. É preciso sabedoria para discernir em que medida nossas
tecnologias nos ajudarão a sermos pessoas mais engajadas com Deus e com sua
criação, ou nos afastarão disso.
- Tiago Garros,
biólogo e doutor em teologia, é pesquisador na interface entre ciência e
religião e coordenador do projeto Theolab (www.theolab.org.br).
Colaborador da Associação Brasileira de Cristãos
na Ciência (ABC2).
Fernando Pasquini é engenheiro da computação e doutor em sistemas
dinâmicos, e faz pós-doutorado na área de filosofia da tecnologia na RWTH
Aachen University, na Alemanha. Colaborador da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2).
Artigo originalmente publicado na edição 401 de Ultimato.
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