segunda-feira, 19 de junho de 2023

REFLEXÃO 01

 

Conscientizar, conscientizar… 

Plinio Corrêa de Oliveira

Artigo publicado originalmente na “Folha de S. Paulo” em 17.11.80

“Está sendo realizada nos Estados Unidos uma ‘Revolução Social’ extremamente rara”, afirmou, em correspondência procedente de Los Angeles (Califórnia), “El Mercurio” (25-8-80), o cotidiano de maior tiragem da capital chilena. A correspondência explica em profundidade o fenômeno acerca do qual se enganaram tão pesadamente as previsões de incontáveis órgãos da imprensa escrita e falada, em todo o Ocidente. Isto é, a derrota de Carter e a vitória de Reagan.

Tal foi a amplitude desse erro de previsão, que J.S./R., da “Folha”, pôde escrever com espírito, na seção “Cotidiano” (7-11-80), que o fato lança o descrédito sobre “todos os ‘analistas’, ‘intérpretes’, ‘observadores’, ‘especialistas’, ‘peritos’ e demais boateiros” que escreveram sobre o tema, como também sobre “as mais conceituadas empresas de análise e interpretação da opinião pública”.

Parece-me que este erro tristemente monumental se deveu ao fato de ninguém ter levado em conta o fenômeno, entretanto fácil de perceber, que o correspondente de “El Mercurio” resume assim; em nossos dias, “os ricos se tornam ‘progressistas’ e os pobres se tornam ‘conservadores’. E o jornal explica: os ricos estão sofrendo, nos Estados Unidos, de um “complexo de pobres” que os leva – por exemplo – a deixarem de lado os automóveis aparatosos e ultraconfortáveis de outrora, e a preferirem os “pequenos automóveis japoneses ou alemães com ruidosos motores diesel”. Os pobres, pelo contrário, movidos por um complexo de ricos, usam os automóveis mais vistosos que consigam comprar.

 

A “revolução às avessas”, assim descrita, a meu ver não existe só nos Estados Unidos. Dela se notam sintomas em vários países. Por exemplo no Brasil: quem não se lembra da votação surpreendentemente esquerdista de uma parte impressionante do eleitorado dos abastados “jardins” da capital paulista, quando do último pleito?

Não é pois difícil explicar por que Reagan, o candidato conservador, teve mais votos do que Carter, o candidato progressista. Tal não teria sido possível sem um avanço do conservantismo na classe pobre e, por contiguidade, nas camadas mais modestas da população. Ou seja, em segmentos sociais numerosíssimos por definição.

Evidentemente, não era idêntica a posição dessas classes quando, em 1976, Carter foi eleito.

Os profissionais oraculares, comicamente enumerados por J.S./R., não viram essa mudança? Ou a viram, porém condicionados pelas famosas patrulhas ideológicas não puderam levá-la ao conhecimento do público?

O fato é que o Ocidente vinha sendo embaído pela convicção de que os pobres constituem um imenso mar de gente sacudido pela indignação, encapelado em ondas de agressividade crescente. Já vinha acontecendo, em várias partes, que essas ondas se atiravam de encontro ao paredão casmurro dos plutocratas cada vez mais gananciosos e mais irredutíveis. Em dado momento, seria inevitável que as ondas acabassem por derrubar o paredão. Pois este não avança: tão-só resiste. E vencer não consiste só em resistir, mas também, e principalmente, em avançar. Era este o velho mito marxista da luta de classes, com que a publicidade internacional intoxicava noite e dia o Ocidente.

Essa falsa visão da realidade conduziria naturalmente a que os pobres se tornassem cada vez mais exigentes, no antegozo de sua vitória. E que os ricos – por fim espavoridos – se tornassem cada vez mais capitulacionistas (perdoe-me o leitor o horrendo neologismo).

Contudo, esse mito, no tocante aos Estados Unidos, acaba de ser desmascarado pelas últimas eleições. Os pobres frearam sua indignação por uma reviravolta indiscutivelmente autêntica. O que – diga-se de passagem – depõe em favor da probidade de alma e do bom senso deles.

E os ricos? Não disponho, por enquanto, de dados que me habilitem a falar sobre os norte-americanos ricos. Tenho diante de meus olhos nosso Brasil, com seus ricos. Por analogia com seus nababescos congêneres norte-americanos, pode-se entrever algo acerca destes.

Favorável, como sou, a uma organização social harmonicamente estratificada, devo entretanto afirmar que, em nossos grandes centros, a classe social porcentualmente mais esquerdista é a dos ricos. Presumivelmente, se todos os eleitores tivessem a mentalidade da maior parte desses ricos, o Brasil já seria um país avançadamente socialista. O que salva da catástrofe os segmentos sociais mais opulentos é, a meu ver, que os pobres e a classe média são muito mais conservadores do que eles.

Como explicar essa mentalidade de ricos – e especialmente de nossos riquíssimos – de esquerda? Ei-los que lutam dia e noite para multiplicar lucros e empilhar fortunas. Desprendidos não são, portanto. Como explicar, então, que sejam favoráveis a que o socialismo disperse o que tão laboriosamente acumulam? Medo, medo-pânico dos vagalhões do povo que imaginam enfurecido? Vontade, então, de “ceder para não perder”, segundo o velho “slogan” agro-revisionista dos idos de 1960? É bem provável. Porém, a meu ver, nem tudo pode explicar-se só por isso…

Mas, de qualquer maneira, a desajeitada e gasta melopéia de Carter sobre os direitos humanos não teve maiores entusiastas no Brasil, do que os ricos de esquerda. Nem a derrota de Carter despertou igual tristeza em qualquer segmento da população.

O mundo vai mudando, mas eles não. Oxalá a derrota de Carter lhes faça ver quanto estão anacrônicos em seus modos de ver!

Na realidade, para tal, eles não precisariam da derrota de Carter. Bastar-lhes-ia que prestassem atenção na mais insistente das palavras de ordem da “esquerda católica”: “conscientizar, conscientizar”… Pergunto: a quem? Ao operariado. Do quê? De que há razões para que este se indigne contra os patrões. Concluo: logo, essa indignação é menor do que a “esquerda católica” quer. E está sendo soprada a golpes de fole por esta.

Em conseqüência, o conservantismo popular não parece ser apenas uma realidade norte-americana, mas também brasileira, sul-americana, quiçá mundial.

Tudo isto não importa em dizer que os não-pobres podem entregar-se tranqüilamente à opressão de pobres tão conformados. Precisamente o contrário é verdade. Dos pobres vem aos ricos de esquerda uma grandíssima lição de bom senso. Se a essa lição os não-pobres se omitirem de responder com uma conduta impregnada de respeito, do espírito de justiça e de caridade cristã, o curso da História, guiado pela mão de Deus, derrubará esses nababos socialistas incorrigíveis. Para fazer uma sociedade sem classes? – Não, mas uma sociedade hierarquizada, que comece a merecer de modo genuíno o nobre qualificativo de cristã.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 


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