Olá,
Dionê Machado. Tudo bem contigo? Na carta de hoje, o tema é espinhoso, pois
advém do debate atual que envolve as paixões e esperanças políticas: o
conservador a serviço do movimento revolucionário. Vamos lá?
“Você
não precisa de má intenção para fazer um estrago extraordinário, basta você
estar lidando com coisas que estão acima da sua capacidade” — Olavo de
Carvalho.
Sem
sombra de dúvidas eclodiu no Brasil nos últimos dez anos uma onda, primeiro de
direita, em seguida liberal e posteriormente conservadora. Muitos brasileiros
passaram a, com orgulho, nominar-se conservador. Isto é algo salutar e, acima
de tudo, um movimento importante de restauração das bases culturais de nosso
povo. Existe, porém, um problema em meio a tudo isto, uma falta de clareza no
que se deve conservar, ou melhor colocando: o que devemos enfrentar.
Existem
pautas que servem como um termômetro para medir a febre da sociedade
rapidamente, uma delas é a pauta do aborto, pois em sua maioria os
conservadores são totalmente contra o aborto. Inclusive defender esta nobre e
valiosa pauta virou um “clichê do bem”. Todavia, o processo revolucionário ao
longo dos últimos três séculos foi transformando gradualmente o pensamento da
sociedade, sobretudo nos últimos 75 anos.
Para
irmos além da febre desta discussão, proponho aqui um rápido exercício, no qual
contarei com a máxima honestidade do caro leitor. Assumamos a postura que você
é contra o aborto, mas você é contra o aborto sob qualquer hipótese? É contra o
aborto em caso de estupro por exemplo? Indo um pouco mais além: você é contra o
divórcio?
Existem
diversos debates acalorados entre conservadores nestas “pautas ocultas”, onde
muitos adotam os argumentos revolucionários para defender a prática do
assassinato de um inocente, como se o ato em si remediasse ou corrigisse o
crime do estuprador. Defendem com unhas e dentes a legalização do divórcio e
como ele emancipou as mulheres do julgo machista da sociedade. Ora, em ambos os
casos, estamos falando de processos revolucionários que foram concebidos a
partir da etapa de negociação, para se encontrar um motivo justo de aplicação
do processo revolucionário, alterando o consenso moral da sociedade, sem que
ela perceba a quem está servindo. No caso do divórcio por exemplo, esta pauta
foi tema de intenso debate na sociedade brasileira dos anos 1950 a 1980. Quando
o processo entrou em discussão no congresso para a criação da lei do divórcio,
a Rede Globo de televisão passou a incluir o tema em suas novelas, sempre
favorável ao divórcio e postulando a Igreja Católica como uma hipócrita que não
olhava para o sofrimento feminino. A tática deu certo e hoje, se alguém se
postular contra o divórcio é taxado de anormal, radical e extremista, mesmo nos
meios conservadores.
Faz-se
necessário nos perguntarmos, qual a origem das ideias que defendemos como
dogmas religiosas e, qual o propósito destas no âmbito moral-social e até mesmo
religioso. Aqui já resvalamos em outro problema: devemos misturar religião com
a política? Imagino que as repostas serão diversas e boa parte a favor da
separação.
O
processo revolucionário é aplicado em várias marchas de velocidades, o que
muitas vezes nos faz prestar a devida atenção somente àquelas que estão em
maior ritmo, como por exemplo a ideologia de gênero ou a instrumentalização de
negros e índios. Porém, o grande movimento a favor da revolução acontece
justamente nos processos mais lentos, que por vezes levam décadas para serem
devidamente implementados nas sociedades. O que nos leva a três estágios
específicos de mentalidade, muito bem observados por Dr. Plínio Corrêa de
Oliveira. Vou apresentar a seguir estas divisões de personalidade que nos
ajudarão a entender os meandros deste processo.
1. O
revolucionário de pequena velocidade, onde está a maior parte da sociedade, o
homem comum, que vai se adequando a todas as pautas que lhe são expostas
através da máquina midiática. Muito bem caracterizado pela expressão popular:
“as coisas evoluíram e os tempos são outros”.
2. O
revolucionário de velocidade lenta, onde em determinada medida se deixa levar
pelas pautas revolucionárias, negociando “pequenas” concessões e criando
meios-termos de negociação. Em diversos aspectos ele tende a negar as pautas
revolucionárias e até mesmo a recriminá-las, mas este processo tende a ficar no
campo pessoal ou social limitado, sendo uma oposição controlada. Na maioria das
vezes o indivíduo não consegue delimitar a pauta nem mesmo dentro de sua
família, sendo muitas vezes o chefe dela. As suas objeções tendem a morrer com
o indivíduo e em poucas gerações, ou até mesmo na geração seguinte, o avanço da
agenda revolucionária vira dogma na sociedade, como o já citado exemplo do
divórcio.
3. O
“semicontra-revolucionário”, é a pessoa que possui uma postura mais enérgica em
relação as pautas, se comparado ao revolucionário de velocidade lenta, com
postura mais firme e viva no embate às agendas da revolução. Quando o processo
de cristalização acontece com ele, tende a enfrentar de frente os aspectos e
desafios não somente das pautas, mas do resultado prático em sua vida. Estes
tendem a ser obstáculos reais à Revolução. Todavia, carece e precisa se
preparar para entender as nuances do processo revolucionário.
Como
podemos observar, dada uma medida ou outra, em algum momento de nossas vidas
nos encontramos em algumas destas fases descritas, não necessariamente em
todas, mas muitos de nós acaba passando por elas uma a uma. Notamos que o
semicontra-revolucionário, caso não tenha os fundamentos de base de suas
convicções e o conhecimento de suas origens, mesmo que positivas, pode com o
tempo ser cooptado pelo processo de “diálogo” e da corrupção da linguagem,
levando à baldeação de pensamento e até mesmo a inversão no campo da política
eleitoral.
Minha
intenção neste artigo não é fornecer um manual de como ser conservador ou mesmo
“passar pito”, mas apenas oferecer recursos que possam auxiliar no processo de
entendimento e amadurecimento dos processos aos quais enfrentamos e, muitas
vezes, infelizmente colaboramos com os agentes revolucionários, sejam eles
sociais-democratas, comunistas, globalistas, positivistas etc. A primeira parte
deste processo parte por ser sincero consigo mesmo. Buscando não tentar se
encaixar rapidamente na posição de paladino, mas vasculhar qualquer vestígio de
autoengano ou busca pelo mérito social da mentalidade de grupelho, tão bem
definida pelo Professor Olavo de Carvalho.
Estejamos
despertos, para não nos tornarmos uma oposição permitida e controlada da marcha
revolucionária, ou mesmo, um agente propagador de suas ideias, acreditando que
estamos nos opondo a elas.
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