A frase
em epígrafe foi proferida no dia 12 de outubro de 1936, durante cerimônia na
Universidade de Salamanca, cidade recentemente conquistada pelas forças
franquistas, após o discurso de seu Reitor, Miguel de Unamuno. Neste, o famoso
filósofo, visivelmente constrangido por ser obrigado a receber o chefe das
tropas vitoriosas, acabara de dizer: “Há momentos em que ficar em silêncio é
mentir. Vocês vencerão porque têm a força bruta. Mas não convencerão, porque
para convencer precisam ser capazes de persuadir. E para persuadir, precisam
ter o que mais lhes falta: Razão e Direito”. Escusado dizer que o genial
filósofo saiu preso, com revólver na cabeça, expulso da Universidade. Veio a
falecer dias depois, de um ataque cardíaco.
No
Brasil não foi necessária nenhuma truculência, nenhuma violência para que a
inteligência tivesse morrido em nossas Universidades e no mundinho dos que se
autodenominam “intelectuais”. O processo aqui foi sub-reptício, dissimulado e
dando todas as aparências de evolução do intelecto. Também, diferentemente dos
estados fascistas e comunistas, onde se instala a barbárie pela força bruta,
aqui a classe de pessoas que se apossou do pseudo-saber dá toda a impressão de
bem pensante, pois é superficialmente bem falante. Matou-se a inteligência e
exaltou-se a morte intelectual de uma forma tão dissimulada que na aparência
nada de mau aconteceu. É como se as pessoas estivessem num velório, comemorando
a vida de um defunto que já dá sinais de adiantada putrefação.
O
processo se iniciou pela difusão do relativismo cultural, que sucedeu ao
relativismo ético e moral. A palavra cultura reteve, até o advento deste
relativismo, o significado grego de Paidéia e Areté, isto é, continha um
conceito implícito de valor: existiam pessoas ou povos cultos ou incultos. Por
outro lado, cultura era algo a ser adquirido com muito esforço. Denomino
relativismo cultural ao movimento que modificou o conceito de cultura o qual,
de uma alta expectativa de valor, passou a ser um simples conceito
antropológico-descritivo (apud W. Jaeger): a totalidade das manifestações e
formas de vida de qualquer sociedade, mesmo as mais primitivas.
Paralelamente
tomou força o movimento chamado sociologia do conhecimento, que postula que
todo conhecimento, inclusive o científico, é social ou culturalmente produzido,
que tudo que se afirma como conhecimento é válido, pois só pode ser avaliado
quando referido à “cultura” que o produziu. Abandona-se as possibilidades de
validação, destrói-se a metodologia, privilegia-se a intuição – ou o chutômetro
– como método de validação, substitui-se a lógica e a dedução pela estética (se
intuo algo que a mim parece belo, isto é válido por si mesmo). É claro que a
verdadeira intuição, produto da introspecção, tem seu valor como fonte de
conhecimento mas não como método de validação e prova.
Deste
modo, não existe mais nenhuma possibilidade de chegarmos a estabelecer qualquer
conceito de verdade, pois se o conhecimento é “culturalmente produzido” os
dados obtidos por árduas investigações científicas tem o mesmo valor – ou até
nenhum – que qualquer conclusão de uma assembléia de auto denominados “sábios”.
Este relativismo epistemológico é tão prejudicial quanto o relativismo ético ou
moral, que afirma que qualquer princípio é válido, desde que referido à
“cultura” que o produziu. Como corolário, estendeu-se o conceito de democracia,
de conotação exclusivamente política, a todas as demais áreas da cultura e do
conhecimento. Não se examina mais se alguma assertiva corresponde à verdade dos
fatos, mas sim se foi decidida pela maioria de algum corpo coletivo,
preferentemente “popular”.
A
meditação solitária, fonte de todo ato de filosofar – e mesmo de todas as
grandes descobertas científicas – é encarada com desprezo como arrogância, e
aqueles que insistem em pratica-la são escorraçados do amplo debate
popularesco, moralmente atacados, quando não ameaçados em sua integridade
física. Ser um pensador, que antes era valorizado, passou a ser estigma.
Valorizam-se belas formas ocas. O culto ao corpo, até mesmo artificialmente
siliconizado, relegou a mente para a lata de lixo. A própria linguagem perdeu a
beleza que o rigor gramatical lhe conferia e passou a ser um amontoado
repetitivo de chavões e slogans facilmente absorvidos que tornam quem sabe
usá-los em gênios do saber, aos olhos dos menos “afortunados”. Basta assistir
um programa de televisão – qualquer um, com as raríssimas exceções de praxe –
para ouvir um linguajar pseudo-erudito que mais parece um balbuciar sem nenhum
significado lógico.
É claro
que um povo que não pensa, que passa a vida olhando no espelho e atordoado por
headphones e outras fontes de ruído ensurdecedor, é presa fácil de espertalhões
que o manipulam com extrema facilidade. Acostumado a votações tacanhas, tipo
Big Brother, incapazes de estabelecer nexos causais e a engolir uma sub-cultura
especialmente preparada para ele, este povo fará qualquer coisa.
Sem
desdenhar esta abordagem, creio que falta salientar os aspectos psicológicos
envolvidos no processo. A doutrinação tem sempre dois pólos. Falta o do
doutrinado, o do porquê esta doutrinação é tão facilmente absorvível pelos
destinatários. É o que pretendo sucintamente fazer a seguir.
A
oferta é irrecusável. O sujeito vê sua sub-cultura de botequim subitamente
elevada ao nível de “cultura popular”, passa a ser lisonjeado por quem ele
supõe pertencer à classe letrada que sempre admirou e invejou, de tocador de
tamborim é promovido a “produtor cultural”. E o mais importante, sem custos,
sem nenhum esforço pessoal de adquirir verdadeira Cultura através de árduos
estudos e constante aperfeiçoamento. Sente-se inflado sem saber que estes
pseudo-intelectuais estão lhe prestando o desserviço de afasta-lo das reais
possibilidades que poderiam brotar de sua mente, caso se esforçasse.
Sim,
porque apesar de minha explanação poder parecer arrogante, a verdade é o
oposto: não creio que o sujeito de quem falo seja naturalmente burro e não
pudesse se desenvolver se não aceitasse permanecer naquele estado de
mediocridade a que é submetido. A razão é bem outra. O que lhe impede de
crescer intelectualmente – salvo grosseiras exceções – é sua própria inveja dos
que possuem aquilo que ele não acredita ter. Parece-lhe que quem tem, já nasceu
sabendo tudo, não têm a menor idéia do quanto de esforço e sacrifício pessoal
esteve envolvido no processo de aquisição de conhecimento genuíno.
Nem lhe
passa pela cabeça que seu cortejador é também um medíocre pomposo, cheio de
medalhas, títulos e currículos fáceis de obter por quem aprende os slogans do
momento. Nem lhe passa pela cabeça que estes falsos intelectuais são, eles
mesmos, invejosos dos que possuem conhecimento genuíno em qualquer área, e
precisam não apenas atacar estes últimos, como impedir que o tal sujeito possa
se desenvolver e ultrapassa-los. Fazem de tudo para impedir que desta população
pobre e mulata possa surgir um novo Machado que faça sombra à sua mediocridade.
Travestidos de democratas respeitosos fazem o possível para achatar o nível
intelectual ao nível de sua mesmice cansativa.
Heitor
De Paola
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