Luís Inácio,
símbolo do Brasil
Artigo
publicado em Mídia Sem Máscara em 24 de janeiro de 2006
CENA 1 – Num boteco
de Copacabana: estou tranquilamente tomando um cafezinho e lendo a
correspondência do dia quando o atendente, conhecendo minha profissão e tendo
uma mui vaga idéia da minha especialidade, sapeca a seguinte pergunta: o senhor
que é doutor, me responda: ser humano tem instinto? Ressabiado como toda pessoa
com instrução frente a uma pergunta destas respondi timidamente que sim e fui
imediatamente contestado pelo gajo: “Pois eu acho que não! Um ser humano criado
em total isolamento quando vê uma fêmea não sabe o que fazer!”, o que motivou
uma piada impublicável de um gaiato presente e uma jocosa observação minha,
idem. Partindo daí, passou a tecer as mais profundas reflexões antropológicas,
sociológicas, psicológicas e sei mais o quê, terminando com outra pergunta
feita num tom cheio de empáfia: “o que é que o senhor acha?” Que mais eu
poderia dizer do que timidamente fazer um gesto de assentimento e arrumar um
jeito de sair educadamente com a desculpa de ter que trabalhar?
CENA 2 – Na copa da
minha casa: a kochenführer que lá trabalha, cansada de saber que eu detesto
arroz refogado no óleo antes de cozido – só gosto cozido na água com uma pitada
de sal – serve-me um arroz que de tanto óleo brilhava até na escuridão! Reclamo
pela enésima vez e recebo a seguinte resposta: “lá em casa todo mundo gosta
assim!” Pronto, o coletivo “lá em casa” acabava de definir o supra-sumo da
culinária universal!
Estas cenas do
quotidiano que podem ser multiplicadas ao infinito na experiência de cada um
dos leitores, mostram o estado de espírito de um País que erigiu como atestado
de suprema sabedoria o achismo. “Acho que”, ou seu oposto, “eu não acho”,
encerra qualquer discussão! Se um sábio está dando uma palestra e algum imbecil
se levanta e diz: Eu não acho!, cesse tudo o que a antiga musa canta, que uma
voz mais alta se alevanta! Respeite o sábio o “democrático pluralismo de
opiniões” para não ser tachado de arrogante, elitista, intolerante com as
opiniões contrárias e otras cositas más. Também pudera, o pessoal de pouca
instrução está apenas seguindo o exemplo que vem de cima – não, não me refiro
ao sábio que emitiu a frase em epígrafe, que não é causa, é conseqüência – mas
àquilo que se convencionou chamar de “intelectualidade brasileira”, de cuja
existência não se tem nenhuma comprovação científica, tal qual um elo perdido
entre a burrice, a estupidez e a arrogância!
CENA 3 – Numa
Sociedade profissional à qual eu pertencia (notem o tempo do verbo, please!):
discutia-se numa reunião de “alto nível” a existência até então de duas
categorias de Membros, Associados e Titulares, e os critérios de progressão da
primeira para a segunda que exigia um trabalho a ser examinado por uma Comissão
de Seleção composta de três Titulares. As opiniões se dividiam em três grupos. Um
defendia a manutenção dos critérios; outro, ao qual eu pertencia, pretendia
torná-los mais rígidos e um terceiro que queria abolir todos os critérios e até
mesmo a existência das duas categorias, fundindo-as numa só. Um dos luminares
do terceiro grupo – um daqueles que, depois da “abertura” política, inflava o
peito e revirava os olhos para emitir um sonoro “Sou comunista!” – resumiu em
poucas palavras os argumentos de seu grupo: a manutenção de duas categorias
nada mais era do que o reflexo de uma sociedade de classes em que a burguesia
conspirava para impedir o acesso dos proletários aos bens de consumo, – no
caso, consumo cultural -, para mantê-los excluídos e despossuídos, guardando
para si mesma todas as benesses da produção social! Não resisti e perguntei
jocosamente se não se deveria abolir logo a insuportável progressão natural de
infância, puberdade e adolescência e dar foros de adulto aos bebês de colo.
Pensam que o tovaritch percebeu a ironia? Pasmem, a resposta foi que os adultos
civilizados têm muito a aprender com a sabedoria das crianças e dos povos
primitivos e que esta divisão, em termos culturais, não é natural, também é
classista!
Depois desta pérola
o meu grupo abriu mão das maiores exigências e se uniu aos conservadores e a
discussão chegou a um impasse, sendo o caso levado à Assembléia Geral como
controverso e indefinido. Uma Assembléia Geral, diga-se de passagem, na qual
previamente se havia aprovado uma modificação Estatutária que permitia aos
Associados votarem. Quem adivinhar qual ponto de vista foi vencedor ganha um
exemplar do livro ainda no prelo O Pensamento Político-Filosófico do
Companheiro Lula.
De maneira idêntica
foram tomadas de assalto todas as instituições culturais, acadêmicas,
educacionais, jornalísticas, científicas, de tal maneira que se deturpou o
próprio conceito de cultura o qual, de uma alta expectativa de valor, passou a
ser um simples conceito antropológico-descritivo, como a totalidade das
manifestações e formas de vida de um povo, instaurando de forma plena o
relativismo cultural, moral e cognitivo. Este relativismo, às vezes também
chamado pluralismo, tem origem naquele País que, depois de deter uma invejável
hegemonia cultural, perdeu o rumo e permitiu que sua cultura se esfacelasse,
num movimento que bem merece o nome moderno de desconstrucionismo: a França.
Com a diferença abissal de que lá, que já produziu Aléxis de Tocqueville,
Victor Hugo, etc., ainda persiste um substrato intelectual que dá sustento à
reação de uma minoria integrada por Jean-François Revel, Raymond Aron, Guy
Sorman e muitos outros. O mercado editorial de uma cidade média, como Lyon, é
maior que o de todo o Brasil, se levarmos em consideração a literatura séria e
eliminarmos Paulo Coelho, auto-ajuda, esoterismo, vidas passadas, fotonovelas,
almanaques com letras de funk ou rap, etc.
Aqui no Brasil
toma-se como filosofia qualquer imbecilidade perpetrada por compositores ou
cantores drogados, o padrão moral e intelectual não passa do nível das novelas
da Globo e do Big Brother, drogados pontificam sobre drogas, criminosos são
catapultados para posições elevadas, e as pessoas que realmente pensam são
raramente ouvidas e condenadas a viver em guetos – de excelência é verdade, não
obstante, guetos. A verdadeira cultura causa horror e inveja; declarar-se
culto, então, é prepotência, arrogância, petulância.
Não é à toa que
este País elegeu para Supremo Mandatário um semi-analfabeto, ignorante,
presunçoso, que se gaba de nunca ter lido um livro. Nem que meu colega de site,
Janer Cristaldo, tenha cunhado para ele o título de “Supremo Apedeuta da
Nação”. Embalado pelo populacho, incensado pela “intelectualidade” acadêmica e
por um jornalismo vil, e financiado pelos finórios e vivaldinos financistas
internacionais aos quais paga seu dízimo adiantado, e capitalistas nacionais
burros que só querem se locupletar com a farra do dinheiro “público”, tem
avalizada sua permanência em Palácio dizendo besteiras e idiotices.
É
tragicômico ver as queixas de seus eleitores arrependidos, como se só agora ele
tivesse mostrado a que veio – ou a que não veio, vieram por ele seus
companheiros de viagem. Não duvido nada que ele seja re-eleito em outubro, o
que seria aliás bem merecido, pois Luis Inácio é o verdadeiro símbolo de uma
Nação emburrecida.
Heitor
De Paola é escritor e comentarista político, membro da International
Psychoanalytical Association e Clinical Consultant, Boyer House Foundation,
Berkeley, Califórnia, e Membro do Board of Directors da Drug Watch
International. Possui trabalhos publicados no Brasil e exterior. É ex-militante
da organização comunista clandestina, Ação Popular (AP).
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