sexta-feira, 2 de junho de 2023

TENTAÇÃO...

 

C. S. Lewis e como lidar com a presunção, as discórdias e a língua ferina.

 

“Não nos deixe cair em tentação” muitas vezes significa, “Negue-me convites gratificantes, contatos interessantes”...
 

Por Paulo Ribeiro

 

A discórdia pode, às vezes, ser expressa sem a aparência de presunção, se for feita com argumentos. O apoio geralmente virá de alguém improvável, da comunidade, até descobrirmos que aqueles que eram silenciosamente dissidentes constituíam a maioria.



O nosso desacordo em relação ao que as outras pessoas dizem, em minha opinião, pode eventualmente ser expresso sem que sejamos pedantes, se o fizermos com base em argumentos, e não de uma maneira autocrática.




Claro que o lado da verdade pode ser derrotado. Isso importa muito menos do que eu costumava pensar. A própria pessoa que discutiu com você pode reconhecer anos depois, que foi influenciada pelo que você disse.







É claro que surge um momento em que o grau de perversidade (injustiça, canalhice e inverdades) atinge um nível contra o qual um protesto terá de ser feito, mesmo com poucas chances de sucesso.




No entanto, há um tipo de mal contra o qual e preciso sempre protestar, por menor que seja a chance de sucesso. Ha acordos cordiais, feitos com cinismo ou com brutalidade, que precisam, inequivocadamente, ser estabelecidos. E se não for possível fazer isso sem parecer pedante, então devemos parecer pedantes, pois o que incomoda realmente não e parecer, mas ser pedante.






Se não gostamos suficientemente de fazer o protesto é improvável que sejamos presunçosos na realidade. Aqueles que gostam de "testificar" estão em uma posição diferente e mais perigosa. Mas há ambientes sociais tão sujos que neles é quase um sintoma alarmante se uma pessoa nunca foi chamada de tal.




Da mesma forma, embora o pedantismo seja uma loucura e o esnobismo um vício, há círculos em que apenas uma pessoa indiferente a tudo que acontece escapará de ser chamado de pedante, e outros em que as maneiras são tão grosseiras, espalhafatosas e desavergonhadas que uma pessoa (qualquer que seja sua posição social) de bom gosto natural será chamado de presunçoso.




O que torna tão difícil esse contato com pessoas perversas é que lidar de forma eficaz, não requer apenas boas intenções, mesmo com humildade e coragem; pode exigir talentos sociais e até intelectuais que Deus não nos deu. Portanto, não é hipocrisia, mas mera prudência evitá-la quando podemos.




Os salmistas não estavam errados quando descreveram o homem bom como evitando "a cadeira dos escarnecedores" e temendo associar-se com os ímpios para não "comer" (devemos dizer, rir, admirar, aprovar, justificar?) "coisas que lhes agradam".




“Não nos deixes cair em tentação” quase sempre significa, entre outras coisas: “Nega-me aqueles convites agradáveis, aqueles contatos altamente interessantes, aquela participação nos grandes movimentos de nosso tempo que, em geral e sob tal risco, eu desejo”.




Intimamente conectados com essas advertências contra o que chamo de “conivência” estão os protestos do Saltério contra outros pecados da língua. Sinto que, quando comecei a lê-los, eles me surpreenderam um pouco; eu, de certa forma, esperava que, em uma época mais simples e mais violenta, em que se usava a faca, o grande cajado e o tição para fazer o mal, as palavras não fossem tão mordazes.




No entanto, na realidade, os salmistas não mencionam nenhum outro tipo de mal mais frequentemente que este, um mal que a maioria das sociedades civilizadas compartilha. “Suas gargantas são um tumulo aberto; com suas línguas enganam sutilmente” (Sl 5.9); “Violência e maldade [ou “perjúrio”, na tradução do doutor Moffatt] estão em sua língua” (10.7); “lábios bajuladores” (12.3); “línguas acusadoras” (31.20); “palavras [...] maldosas e traiçoeiras” (36.3); o cochicho dos homens maus (41.7); mentiras cruéis que cortam “como navalha” (52.2); conversa que soam “mais suaves
que o óleo, mas [...] afiadas como punhais” (55.21); zombaria impiedosa (102.8). O Saltério está repleto disso. E quase possível ouvir o sussurro, a fofoca, a mentira, a repreensão, a bajulação e a circulação de rumores incessantes.




Nenhum reajuste histórico ou cultural é necessário, mesmo 2.500 anos depois. Estamos no mundo que conhecemos e Lewis poderia estar se referindo à polarização religiosa e sociopolítica dos últimos anos no Brasil. Até mesmo detectamos naquele coro murmurante e bajulador vozes que nos são familiares. Uma delas é tão familiar que poderia ser facilmente reconhecida: minha própria voz.




“E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, porque teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém” (Mt 6.13)



 

> [Recortes e adaptação de Lendo os Salmos, de C. S. Lewis (Editora Ultimato)


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